1 de setembro de 2009

OS NÚMEROS DE 1 A 4

A descoberta de que os acordes agradáveis ao ouvido eram produzidos pela vibração de cordas cujo comprimento podia ser expresso por relações numéricas simples levou Pitágoras a postular a existência do conceito de harmonia, e constituiu o primeiro passo que levou a uma formulação matemática do conhecimento do mundo.

Para C.G. Jung, os números seriam esquemas de ordenação do mundo, tanto do ponto de vista físico (matemático) como do ponto de vista psíquico (simbolismo numérico). Em outros termos, como diriam os platônicos da Antiguidade, os números estariam ligados às potências da alma, tanto em sua realização quanto em sua manifestação.

Nesse modo de ver (“tudo é número”), toda forma pode ser expressa por números que, tal como os “arquétipos divinos”, estão ocultos na estrutura do universo e só se manifestam a quem busca conhecimento e sabedoria ao mesmo tempo. É o que demonstra, por exemplo, o teorema de Pitágoras e sua lei do quadrado da hipotenusa.

A periodicidade dos ciclos cósmicos, que repousa sobre unidades numeráveis, reforçou através do estudo da astronomia a idéia de que os números não eram apenas instrumentos que exprimem a ordenação do universo, mas qualidades intrínsecas ao cosmo, traços “absolutos” de poderes sobre-humanos e, portanto, símbolos da divindade.

Novalis experimentou esse poder mágico dos números ao estendê-lo ao campo da mística:

“É provável que exista na natureza tal como na história uma mística maravilhosa dos números. Não está tudo cheio de sentido, de simetria e de relações singulares? Não poderia Deus se revelar igualmente na matemática como o faz em todas outras ciências?

Nessa mesma linha de pensamento, extraída de Pitágoras e transformada pela tradição alquímica, o Islã também considerou o número a tal ponto essencial, que para os Iqhwn as-Safa (os “Irmãos da Pureza”) “o número, que representa uma multiplicidade de unidades, é ao mesmo tempo o princípio diretor da Criação e o símbolo que ajuda a compreendê-la”.

A partir dessa sacralização dos números, que atribui a cada um deles um poder e uma qualidade singulares, o Deus Criador é “o Um primordial” que se despoja de si-mesmo para se revelar sob a forma de uma dualidade. Da tese e da antítese nasce a síntese da Trindade: omne trium perfectum (“toda trindade é perfeita”).

Do mesmo modo, no final da Renascença, Kepler utiliza a imagem da esfera, que lhe é cara, para dizer que se o Pai é o centro e o Filho a superfície, o Espírito é o raio que os une e que, ao descrever o espaço ao redor do centro, gera a esfera enquanto tal.

Essas três instâncias podem ser colocadas em correspondência aos três protagonistas do Conhecimento (o Conhecedor, o Conhecido e o Conhecimento do Conhecido pelo Conhecedor) que constituem o espelho da Divindade criadora, visto que em Deus, bem como na visão mística que o apreende, Conhecedor, Conhecido e Conhecimento são uma única e mesma coisa.

Se admitirmos que o número três indica o movimento interno da unidade, o número quatro revelará a manifestação e a plenitude. Essa dinâmica traduz o processo de construção da tetraktys de Pitágoras (a perfeição do número dez como manifestação da unidade do múltiplo), que só pode ser obtida mediante a adição do quatro (que é um número composto, ou seja, 2 + 2 ou 3 + 1) aos três primeiros números fundamentais: 1 + 2 + 3 = 6, mais 4 --> 6 + 4 = 10. O radical da palavra tetraktys é tetra, ou seja, ‘quatro’ na língua grega.

A mesma idéia aparece no que se convencionou chamar, na alquimia, de “adágio de Maria Profetisa”: “O um torna-se dois, dois torna-se três e do terceiro nasce o um como quarto”.

Essa estrutura tradicional dos quatro primeiros números, da unidade original à multiplicidade manifestada, mas que reflete ainda essa unidade primordial pode e deve ser lida também de um modo paralelo e complementar: se o Um é o Criador primordial, ele é forçosamente ao mesmo tempo o “Deus que se revela” e o Deus que podemos conceber.

No entanto, se Deus é totalmente transcendente, nós não podemos concebê-lo e ele não poderá estar contido em nada do que podemos dizer dele. Por essa razão, o Um se apóia no que os neo-platônicos, que não conheciam o zero, chamaram de o “Um-que-não-é” e no que os gnósticos denominaram o “nada” (“Houve um tempo em que nada existia; esse nada não era uma das coisas existentes e, para falar claramente, sem rodeios, sem artifícios, absolutamente nada existia...” declara Basílio de Alexandria sobre esse Deus).

No esoterismo do Islã ele foi designado como o “nada supra-essencial”: é precisamente o que o zero significará desde que se admita que o zero “existe”. A passagem do Zero ao Um, do Um-que-não-é ao Um-que-se-revela, corresponde à diferença que se estabelece, na Cabala, entre o “nada” e o “eu” de Deus (do ain ao ani, do En-Sof ao Deus criador) ou ainda, em outros termos, entre o deus absconditus (o deus oculto) e o deus revelatus (o deus revelado), entre as trevas essenciais e o lampejo da luz, do qual Jocob Boheme nos fala nos Mysterium magnum.

A partir do Um revelado, a divisão pode então se fazer no dois, sem introduzir a dualidade (já que Pai e Filho são um só), mas a dualidade de princípios, tal como os pares de opostos Yin e Yang.

Dois é o número da mulher, o que tornará todas as cifras pares femininas. Já entre os gregos, por um antagonismo declarado, o dois é também a cifra do Diabo (dia significa ‘dois’ em grego), que se opõe a Deus e introduz a divisão do Bem e do Mal.

Torna-se evidente a equivalência que tende a ser feita implicitamente entre a mulher e o Diabo: e aí se inclui a enigmática figura de Lilith; é a Eva no Paraíso que escuta a serpente; serão todas as feiticeiras que a cristandade lançará à fogueira; é toda a ginecofobia tradicional de nossa cultural e o terror que o homem prova diante da mãe, onde lê o poder da morte, e diante da mulher que o ameaça de destruição.

A quaternidade pode, então, ser tanto a adição de duas dualidades (a mulher e o Diabo reunidos, que forma a totalidade da criação maléfica), quanto a adição da Trindade mais um elemento: seja a Virgem (que marca a completude do divino pela introdução de Sofia), seja o Diabo (que completa a divindade em sua parte de sombra, tal como se vê nas relações de Lúcifer com Deus). Neste último sentido, designa a criação tal como fomos levados a vivê-la, atormentados que somos entre os poderes de Satã e a graça do amor divino.

Entre os árabes, como conseqüência direta de sua concepção dos três primeiros números, o quatro é a assinatura da matéria prima a partir da qual vai se manifestar todo o universo sensível: cinco será então a Natureza, seis o símbolo do Corpo do Mundo, sete o número dos planetas, oito a cifra dos quatro elementos e nove o “último degrau dos oito universais”, que correspondem a todas as criaturas, que são ao mesmo tempo realidades derivadas dos elementos e compostas com eles.

É notável, aqui, mais um paralelo que se pode estabelecer com a numerologia cristã, já que o quatro, que é o signo da materia prima, pode equivaler a Maria, que, nas especulações alquímicas, é o próprio símbolo do corpo humano, ou do corpo primeiro do mundo, ou seja, da materia prima, cuja coroação ou Assunção marca as núpcias celebradas com a Trindade (Speculum Trinitatis de Reusner).

Do ponto de vista simbólico, o quatro se encontra entre os números considerados mais importantes. O quatro está, de fato, relacionado à cruz e ao quadrado; existem quatro estações, quatro rios no Paraíso, quatro temperamento, quatro humores, quatro pontos cardinais, quatro evangelistas, quatro grandes profetas – Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel –, quatro doutores da Igreja – Agostinho, Ambrósio, Jerônimo e Gregório o Grande.

Há também quatro letras no nome de Deus, o tetragrama JHVH, grafado ou vocalizado como Yahweh ou Javé ou, ainda, “Jeová”, enquanto que os crentes judeus o deixam sob sua forma de consoantes.

Na China, encontramos as quatro portas da residência imperial, considerada o “centro do mundo”, os quatro mares lendários ao redor do império e as quatro montanhas (que correspondiam igualmente aos nomes dos suseranos), e as quatro estações eram divididas de tal modo que se marcava o início delas com quatro seções de quinze dias. Quatro grandes rios lendários protegiam o imperador de jade Yu-houang-ti, a divindade suprema da religião popular; quatro amuletos afastavam as influências demoníacas; as quatro artes eram simbolizadas pelo livro, a pintura, a viola e o jogo de xadrez, enquanto que os quatro tesouros dos sábios eram a paleta, o pincel, a tinta e o papel.

No Novo Mundo igualmente o número quatro faz parte dos conceitos cosmológicos essenciais. Entre os maias, os pontos cardinais estão associados às cores e aos “dias que representam o ano” no calendário. Quatro árvores do mundo suportam o céu, na cosmologia asteca. “Os quatro pontos cardinais representam o lugar de origem dos ventos, onde também se encontram os quatro grandes cântaros de onde caem as chuvas”, a exemplo dos quatro Bacab, os deuses dos pontos cardinais que também sobreviveram à “destruição do mundo pelo Dilúvio”.

Todas as civilizações conceberam seus sistemas de orientação e de representação espacial como conjuntos de quatro elementos. A fim de representar as posições no espaço e no tempo onde se desenvolvem as funções, os matemáticos apelam à estrutura das coordenadas cartesianas (abscissas e ordenadas), que é fundamentalmente idêntica ao cruzamento dos eixos norte-sul e leste-oeste. Além dessa estruturação do espaço, que é a própria realidade do universo manifestado, o quatro é em quase todas as civilizações a cifra da perfeição e da completude. É por essa razão que o texto sagrado dos Vedas é dividido em quatro partes, e que “os quatro quartos de Brama” designam a totalidade do conhecimento que se pode adquirir.

De fato, o quatro comporta a dupla idéia de unidade e de totalidade ou, se preferirmos, o conceito de que a totalidade das coisas se oferece sob o signo do quaternário e que essa totalidade é una em seu princípio, razão pela qual deveríamos falar estritamente de uni-totalidade.

É importante lembrar que ao quatro se junta freqüentemente o cinco, na medida em que este representa o centro, seja o da cruz, do qual partem os quatro braços, seja o do quadrado, no qual se cruzam as diagonais.

Continuaremos com os próximos números mais a frente.
Constantino K. Riemma

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