24 de agosto de 2012

ARQUIVOS DE OUTROS MUNDOS


“O homem honrado é aquele que luta contra o esnobismo do embrutecimento, do conformismo e do inconformismo, contra as religiões, as instituições, as falsas liberações e os valores duvidosos impostos pelas máfias político-religiosas.

O homem honrado é aquele que, com frequência, se encontra muito só.

É necessário desmitificar a História dos homens tal como nos foi contada pelas conjuras de contra-verdade.” ROBERT CHARROUX

Título original: Archives des autres mondes
Autor: ROBERT CHARROUX
Tradução de Pedro Debrigode
Primeira edição de julho, 1985
Éditions Robert Laffont, S. A., 1977
1982, PRAÇA & JANES EDITORES, S. A.
Printed in Spain — Impresso na Espanha

Prólogo

Os sinais luminosos que se crêem ver no céu, os textos insólitos gravados nos pampas do Peru, do Chile e sobre as colinas da Inglaterra não são os típicos enigmas que suscitam nossa curiosidade.

Conhece o imenso geoglifo, uma roda perfeitamente circular de vinte rádios perfeitamente retos, que se vê do avião quando se sobrevoa a região de Béziers?
Ouviste falar da misteriosa cidade de Brion enterrada sob as cepas de Santo-Estefânio, na Gironda, das cidades subterrâneas de Naours, de Besse-en-Chandesse, da cidade submersa de Rochebonne perto do vulcão que ameaça surgir no litoral da ilha de Yeu?
Conheces:

— As medicines wheels (rodas curadoras) do Canadá?
—O museu secreto de Jaime Gutiérrez, em Bogotá, análogo ao de doutor Cabrera?
— O enigmático povo cariba que, antes de abandonar nosso planeta, operava cirurgicamente ao estilo dos curandeiros filipinos?
— O efeito Girard: Torcer uma barra de aço só por meio do pensamento?
— Os universos da anti-física, onde tudo é possível: Voar, levitar, passar através das paredes, desdobrar-se, etc.?
— O gerador de azar: Um pedaço de matéria mais inteligente que um sábio catedrático?

Queres penetrar mais adiante nos meandros do labirinto esotérico?
Leste o mais iniciático, o mais formoso conto cósmico imaginado pelo Velho do deserto de Kuch: O feiticeiro da cidade de Luz?
Queres saber por que a França é cem vezes mais poderosa que URSS e Estados Unidos no plano atômico? E como poderia aniquilar as duas super potências?
Queres ter a certeza, as provas de que a biblioteca pré-histórica do doutor Cabrera é tão autêntica como a impostura daqueles que a contestam?

Robert Charroux fez pra ti uma relação dos últimos mistérios conhecidos de nosso globo, as últimas mensagens deixadas pelos Antepassados Superiores cuja civilização precedeu à nossa.

Poucos especialistas viram e interpretaram todo o insólito que Robert Charroux descobriu, não garimpando nas obras de seus colegas ou mediante compilação, senão indo ao próprio sítio, como de costume. E, nos arquivos de outros mundos, nos convida a saborear essas investigações dedicadas a todos os amantes do misterioso e do ignoto.
YVETTE ARGAUD

Capítulo Primeiro
Histórias de algumas cidades submersas

O mistério está em toda parte, desde o coração da galáxia ao centro ainda inviolado de nosso planeta. Está aqui mesmo onde nos encontramos, com universos interpenetrantes, não apreensíveis para a maioria de nós, nos rodeia sobre a terra e nos submerge no mar com os reinos invisíveis, e as cidades enterradas, engolidas.

Os homens têm olvidado com frequência, seus nomes, mas as ruínas recobertas pela água, as algas, as ervas marítimas ou a areia movediça da ribeira, exalam sempre, como em reminiscência, lembranças e imagens que recolhem as tradições.

No século IV toda a comarca entre Loire e Sévre Niortaise era chamada pagus Herbadilla, o país de Herbauges. Como, quase todas as religiões, o cristianismo estabeleceu sua notoriedade sobre falsos milagres e falsos santos cuja autoridade impressionava, antanho, a pobre gente.

O bom são Martim é a exceção da regra: Não conseguiu converter os habitantes de Herbadilla e, desanimado ante suas burlas, abandonou a cidade pedindo a Deus que os castigasse por sua barbárie. Apenas havia dado alguns passos fora da cidade quando a terra se entreabriu repentinamente e o mar, alçando suas ondas, cobriu os remates das altas muralhas e dos templos da cidade, engolida mais rapidamente do que se possa expressar com palavra.

Ante essa visão o santo homem, acometido por profunda dor, decidiu abandonar o mundo e se retirar a um vasto deserto...» que encontrou em Vertou, junto à ilha de Olonne!

No século IV toda a comarca entre Loire e Sévre Niortaise era chamada pagus Herbadilla, o país de Herbauges. Como, quase todas as religiões, o cristianismo estabeleceu sua notoriedade sobre falsos milagres e falsos santos cuja autoridade impressionava, antanho, a pobre gente.

O bom São Martim é a exceção da regra: Não conseguiu converter os habitantes de Herbadilla e, desanimado ante suas burlas, abandonou a cidade pedindo a Deus que os castigasse por sua barbárie.

Apenas havia dado alguns passos fora da cidade quando a terra se entreabriu repentinamente e o mar, alçando suas ondas, cobriu os remates das altas muralhas e dos templos da cidade, engolida mais rapidamente do que se possa expressar com palavra.

Ante essa visão, o santo homem, acometido por profunda dor, decidiu abandonar o mundo e se retirar a um vasto deserto...» que encontrou em Vertou, junto à ilha de Olonne!


Os habitantes do Poatu falam de novo de Roche-bonne e de sua cidade enterrada sobre a meseta rochosa, submersa em nossos dias, mas que, antanho se unia à Chaume (Les Sables-d'Olonne) pela ilha de Yeu e os rochedos das Barges.

Louis Papy, em sua obra ‘Entre Loire et Gironde’, relata que, com ocasião duma época glacial, o mar se retirou muito longe e seu nível desceu até menos de 50m. Acrescenta: «Foi o período da famosa Atlântida que ficou submersa quando o gelo se fundiu. O mar voltou a ocupar uma parte de seu antigo espaço e da Atlântida subsistiu somente uma ilhota que os navegantes da Idade Média, Garcie Ferrande o assinala em seu Grana Routier, pretendem ter conhecido sob o nome de ilha de Orcânia. Entre o atual continente e a ilha de Yeu a terra se desmoronou deixando como testemunho as pegadas da calçada gigante do Pont-d'Yeu, perto de Nossa-senhora-dos-Montes, que o mar descobre, ainda, na maré mais baixa».

A cidade enterrada de Rochebonne está sobre uma meseta profunda de 200m com um abrupto alcantilado que desce até 3.000m. É um refúgio pra peixe, muito cobiçado pelos pescadores marítimos de Sables apesar das violentas correntes que ali causam estrago.

É nesse lugar quando, em 26 de fevereiro de 1976, uma barca da armada nacional observou um curioso fenômeno: Durante um mar revolto uma superfície calma, de 50m a 80m de diâmetro, se desenhava por sua transparência azul clara. Peixes mortos flutuavam na superfície e, no centro da zona, se distinguia nitidamente uma poderosa coluna de bolha que parecia proceder dum fundo de 3.000m. Localização: 46° 39’ 00" N e 05° 28' 20" O, ou seja, a uns 25km ao oeste-sul de Yeu.

Pensa-se que essa fase gasosa do fenômeno poderia anunciar o próximo nascimento dum vulcão submarino ou duma linha de cicatriz de fratura terrestre. Não é mais que uma hipótese, mas inquieta os habitantes da ilha já que uma tradição diz: Quando Rochebonne reaparecer a ilha de Yeu desaparecerá!

Há séculos e séculos as lendas, inclusive com base histórica, não se preocupam com a exatidão das datas, a poderosa cidade de Ys ou de Is, em Bretanha, alinhava suas altas muralhas à borda do oceano mas, provavelmente, a um nível inferior ao das grandes marés. Por esse motivo, um dique monumental com uma eclusa com portas de bronze a protegia da invasão da água.

Uma frota fundeada no porto e no interior das muralhas, cem cobertura de casa, de palácio e de templo se dourava ao sol do Ocidente. Sim, era uma formosa cidade, tão formosa que, por despeito, Lutécia havia trocado seu nome pelo de Par-Is (igual a Is). É o que diz a tradição.

Gradlon, primeiro rei da Cornualha, enquanto soberano e guardião da cidade, levava, noite e dia, suspensa por uma correntinha no pescoço, uma chave de ouro dentada e gravada com arabesco misterioso que abria e cerrava as portas de bronze, defesas eficazes contra o perigo do oceano.

Em resumo, embora rodeada de perigo, Ys teria sido uma cidade feliz se, como no Paraíso, a Serpente e Eva não tivessem vindo trazer o fermento de dissolução. E dissolução é exatamente a palavra, porque em memória dalgum armoricano (bretão) jamais criatura dissoluta, perversa pôde rivalizar, com a bela e sedutora Dahut, filha do rei.

De fato, essa maravilhosa princesa, segundo uma tradição cristã, descendia de Lilite, a querida do bom Adão (outros dizem sua virtuosa esposa...). Seu prazer favorito no dia, segundo outras fontes, era buscar inspiração na landa onde pululam os menires faliformes. Porque, em todos os tempos, Armor foi colocada sob o signo do amor carnal e da virilidade. E Dahut se impregnava, durante o dia, dos eflúvios eróticos da landa pra se liberar, sábia e perfidamente, durante a noite.

Se aceita, mais geralmente outra versão, que é a dos escritos tradicionais muito antigos. O rei Grad Ion teria encontrado nos países do norte uma rainha de maravilhosa beleza: Malgwen, rainha do mar, que trouxera consigo até a Cornualha. Durante a travessia, a bordo do barco, Malgwen, antes de morrer de parto, parira a pequena Dahut.

O rei depositou todo seu amor na princesa e, a pedido dela, fez construir pra ela a grande cidade de Ys, cujo alicerce se encontrava nitidamente sob do nível do oceano. Ys era, pois, segundo a expressão de Jean Markale, uma cidade de En-Bas (de Baixo) e Dahut podia se engalanar com o título de Rainha do Mar.

As sereias, oceânides e outras criaturas do reino marinho jamais tiveram muita reputação de castidade, mas Dahut, mais que elas, mais que Messalina, se distinguia por sua sede de luxúria e convertera toda a cidade à vida de desenfreio e de orgia.

Em cada noite um criado musculoso lhe trazia, pra servir a seu prazer real, um belo moço eleito na alta sociedade ou entre o povo.

O amante devia acudir mascarado pra preservar sua identidade, segundo lhe diziam, e Dahut se encarregava, seguidamente, de lhe proporcionar a mais louca, a mais perversa, a mais inesquecível noite de amor.

Pouco antes da aurora o criado musculoso vinha tomar a seu cargo o companheiro de prazer de sua ama e, no momento de lhe recolocar a máscara, atuava tão torpemente e com tanta brutalidade que o desgraçado caía morto, estrangulado, a seus pés! Só faltava, em seguida, atirar o cadáver ao abismo dos montes de Arrez, perto de Huelgoat.

De fato, Dahut era uma criatura do Destino engendrada pra que se realizassem os escuros desígnios dos quais o homem não tem consciência e estava escrito que, nascida sobre a água, regressaria a seu elemento natural porque sua mãe era, provavelmente, uma oceânide.

Essa é a razão pela qual, numa noite de festa, enquanto o vinho esquentou sua imaginação, Dahut experimentou o desejo imperioso, independente de sua vontade, de fazer de Ys uma cidade verdadeiramente submarina. Desse modo, como sua mãe, a bela Malgwen, se converteria em Rainha do Mar e teria por reino e capital uma cidade incomparável.

Depois daquela festa em que todo mundo bebera mais que de costume Dahut entrou suavemente, descalça, ao quarto de seu pai e lhe furtou as chaves das quais dependia a proteção da cidade. Hersart da Villemarqué, narrou a continuação nos termos seguintes:

O rei dorme, dorme o rei. Mas um grito se elevou na planície. A água foi solta. A cidade está submersa!

— Senhor, levantes. A cavalo. E longe de aqui. O mar transbordado rompeu os diques!
Maldita seja a branca jovem que abriu, depois do festim, a porta do poço da cidade de Ys, essa barreira do mar...

Gradlon, que ignorava tudo referente à causa do desastre, encilhou seu cavalo Morvach, subiu sua filha à grupa e galopou em direção a terra firme.

Furioso e mais rápido, o oceano o perseguiu e suas ondas lamberam os cascos do animal e, depois, as botas do ginete. A cidade, após ele, com seus palácios suntuosos e suas naves inumeráveis, não era mais que uma horrível solidão eriçada de ondulação espumosa. O rei fugiu na noite...

— Mais depressa, pai meu! — Gritou Dahut, repentinamente aterrorizada — Mais depressa. O mar nos alcançará!
Mas Morvach não pôde galopar mais rápido e a água subiu até seu peito.

Então uma voz terrível se deixou ouvir:
— Rei Gradlon, se não queres perecer agora, abandones o demônio que levas na grupa porque é ele quem abriu as portas de bronze!
— Mais depressa, pai! — Suplicou Dahut.

Mas seu destino deve se cumprir. Suas mãos se desprenderam e caiu ela nas ondas que, satisfeitas, se apaziguaram. Os habitantes de Poulvid (Douarnenez) ensinam, hoje, o lugar onde a impudica desapareceu na água.

Tudo se consumou, tudo voltou à ordem: O rei pôde se apear em terra firme armoricana. Ys já não é mais que uma lenda ou um reino submerso do qual é Dahut a soberana.
— Ela não morreu. — Dizem os pescadores bretões quando relatam a lenda na noite junto ao fogo do lar.

Se convertera numa morgana, uma sereia do mar, de beleza fascinante e fatal.
Aquele que tem olho pra ver a avista nos meio-dias ensolarados, penteando seu largo cabelo dourado no vão das ondas ou sobre o escolho.

Aquele que tem ouvido pra ouvir percebe, nas noites de tempestade, sua chamada apaixonada ascender desde a treva dos arrecifes.

Aqueles que cedem a seu convite dormem pra sempre em seu mortal abraço.
Pescadores dizem que, nas noites sem lua, ouvem os sinos de Ys tocando a morto na cidade submersa.

Localiza-se a altura da cidade de Ys em vinte ou trinta lugares. Às vezes no mar, às vezes sobre as ribeiras, inclusive no interior das terras, o que demonstra que o reino sepultado se estendia sobre vasta área. Quiçá desde Groenlândia até as ilhas Canárias e desde Espanha até Terranova!

Nessa opção Ys teria sido a capital de Atlant-Is, o que não é desatino. Pensamos que uma sucessão de mitos se superpôs pra se converter na lenda que conhecemos.

Certo é que existiu a Atlântida, cremos firmemente nisso, mas é mais certo ainda que há 12.000 anos maremotos, extensos desabamentos de terreno, cheias ou vazantes do mar modificaram consideravelmente o perfil das costas atlânticas.

É certo que Brouage, no Charente-Marítimo, era um porto no século XVII e que o mar, mais antigamente, submergia as comarcas de Aunis, a Saintonge e o Sob-Poatu.

Se vê sobre a ilhota de Er-Lanic, no golfo de Morbiã, perto de Gavrinis, um duplo cromeleche do qual uma parte está imersa, o que é uma clara prova de que faz uns 5.000 ou 6.000 anos, o Atlântico tinha um nível muito menos elevado.

Inversamente, ao capricho da geodinâmica, se crê saber que várias vezes o mar se retirou até descobrir, ademais da meseta de Rochebonne, a Grã-Bretanha e a Gália que estavam unidas por terra há 10.000 anos.

Em resumo, esses acontecimentos, esses dramas apocalíticos que se produziam a intervalos cíclicos impressionaram tanto a imaginação que a lembrança ficou indelével, mas emaranhada em afundamentos marítimos e transbordamentos terrestres.

Segundo a crença geral a cidade de Ys está situada na baía de Audierne, entre Plozevet e Saint-Guénolé, ou na baía de Douarnenez no litoral de Cap-Sizun.
Segundo os habitantes de Peumérit, se teria submergido perto desse povoado, numa espécie de enorme pantanal.

Situam-na também em Pouldreuzic, entre Lesvidy e a baía de Audierne; na baía dos Defuntos, na laguna de Laoual; em Cléden-Cap-Sizun; em Trouger onde uma grande quantidade de construções antigas foi posta a descoberto e onde se mostra uma velha muralha chamada Moguer-Guer-a-Is.

Em 1884 P. Parize, professor no instituto de Mor-laix, publicou um artigo onde constavam declarações de mergulhadores que o capitão Guérin, da ilha de Batz, empregava pra pôr a flutuar barcos na água bretã. Declaravam:

«Se podia passear nas ruas da velha cidade ainda assinaladas por fachadas de muro derrubado. Se encontravam também alamedas traçadas na base dos troncos enegrecidos».

Um deles afirmou vira uma escada muito elevada e ainda sólida subindo a uma dezena de braças do fundo do mar. São dignos de crédito esses relatos? Cabe a dúvida.

Em fevereiro de 1923 um maremoto descobriu sobre a praia de Tresmalaouen, ao noroeste de Douarnenez, várias centenas de árvores: Carvalho, bétula, olmo, meio fossilizados e todos tombados, com as ramas até terra firme e as raízes dirigidas mar adentro.

Encontraram-se também os blocos de cimento, em calhaus unidos com argamassa, de trinta casas situadas entre a ponta de Lanévry e a ponta de Pen-Karec. Merece ser observado também que a 2km ao sul de Tresmalaouen, se estende a praia do povo de Ris que, em bretão, se chama Ker-Ris (ou Ker-Is), o qual é igualmente a denominação local prà cidade de Ys.

Cremos haver escutado dizer ao escritor Pierre-Jakez Helias que existia também uma cidade de Ys em Lanhelin (llle-et-Vilaine). Nos cafés do povo se conta a lenda dessa cidade chamada das bonitas peles porque estava habitada por mulheres transparentes. Quando bebiam vinho se lhes via descer pela garganta.

Desde logo às lendas de cidades submersas iam sido enxertados mitos morais e religiosos: Castigo do céu aos habitantes por sua impiedade, seu egoísmo ou sua maldade. É a história de Sodoma e de Gomorra que começa, a menos que o final da Atlântida ou da cidade de Ys não tenha inspirado o das duas cidades da Palestina.

O mesmo mito é reencontrado com Vinheta submersa no mar Báltico, não longe da ilha alemã de Wollin, perto do estuário do Oder. Com boa vista se poderiam distinguir os telhados e campanários de Vinheta no fundo d’água e, no domingo na manhã, com bom ouvido, se podiam escutar os sinos de suas igrejas!

Os habitantes teriam sido castigados por sua avareza e sua impiedade. No entanto, não podem morrer e sua cidade é eterna! A cada cem anos, durante a noite, emerge dágua e revive em todo seu esplendor durante uma hora. Depois regressa ao abismo durante um século. Vinheta poderia ser liberada do castigo que a afeta se um mercador da cidade, ao reaparecer sobre a água, recebesse uma moeda em troca duma mercadoria.

A mesma interpolação cristã tem lugar com Ys: Havendo aferrado o galo-veleta dum campanário com sua âncora, um pescador mergulhou ao mar para soltar e assistiu uma missa. No momento da oferenda o pobre homem, não tendo moeda encima, nada deu e voltou à superfície da água. Se pudesse ter dado o menor óbolo, a cidade de Ys teria emergido o que teria sido uma grande desgraça!

Com efeito, uma profecia diz: Quando Ys surgir Paris perecerá.
Com o transcurso dos anos o mito de Ys se converteu em símbolo de difamação da sociedade e dos cultos a nossos antepassados em benefício ao cristianismo, enquanto que em sua origem ilustrava a luta incessante dos homens contra o mar e do mar contra os homens.

Estrabão diz que os címbrios atiravam venábulos contra as ondas durante as festas rituais. Aristóteles relata que os celtas não temiam os tremores de terra nem as ondas invasoras, senão unicamente que o céu lhes caísse sobre a cabeça!

Não cabe dúvida que esses ritos e sentimentos têm relação com os grandes acontecimentos geofísicos geradores de afundamento e de destruição de cidade.

No mesmo lugar, a sul-sudoeste de Lannion, o Grand Rocher, Roch'Karlés, recobre a cidade de Lexóbia, que era governada por um rei-bruxo cujo cetro tinha o poder de outorgar até mesmo os menores desejos.

Mas o mesmo que em Ys e em Vinheta, a ganância, o jogo, o desenfreio perverteram a cidade de tal modo que Deus, como castigo, a submergiu sob as ondas que, desde então, se retiraram mais ao norte.

Somente escapou ao desastre, escreveu Alexandre Goichon, um palácio maravilhoso situado no vão do Grand Rocher onde está suspensa a vareta mágica. A cada ano, durante a noite de Natal, o penhasco se entreabriu no momento em que ressoou no campanário de São-Miguel o primeiro toque da meia-noite.

“Se desejas penetrar ali, então não percas nenhum segundo, porque a entrada volta a se cerrar no instante em que ressoa o duodécimo toque”.

Uma lenda citada pelo abade Cadic situa mar adentro de São-Miguel-en-Greve uma cidade morta ou, melhor, fora do tempo. No Rillan, em São-Brandão, não longe dali, os camponeses dizem que havia noutros tempos uma cidade que foi desaparecida e destruída.

Em Planguenoual, no povo de Toutran, se elevava a poderosa Teutrônia. A antiga Reginea do mapa de Peutinger estaria enterrada sob Erquy.

O antigo povo de Phéhérel se estendia, no século V, onde em nossos dias está o mar e sua igreja, situada perto da ribeira, estava, então, no centro da aglomeração. Sob o burgo de Corseul, ao sul-sudeste de Saint-Malo, há uma cidade subterrânea cujas casas são de ouro e onde o Diabo se dá à grande vida.

MERCKEGHEM (norte). 8km a noroeste de Watten. A antiga cidade de Eecke foi submersa pelo mar no século V, numa só noite, diz a crônica. Os habitantes e o gado pereceram quando os diques cederam. Só o campanário resistiu algum tempo. Quando uma catástrofe está a ponto de arrebentar os sinos do povo submerso tocam a morto.


DAMVILLE (Eure). A 19km ao sul-sudoeste de Evreux. Segundo as afirmações do iluminado Marcel Bruegghe: Cidade construída há 13.000 anos pelos celtas com o propósito de legar às gerações futuras um testemunho de sua riqueza e de sua civilização. Cemitério, circo, mercado, silo, museu, tesouros prodigiosos!

BOSVIE (Sena Marítimo). Entre Brachy e Greuville: Cidade romana desaparecida com numerosos tesouros.

SAINT-LAURENT (Sena Marítimo). Município de Gueures, cidade desaparecida com sua igreja. O sino teria sido atirado a um poço.

AMIONS (Loire). A 26km ao sul de Roanne. A cidade, com seus habitantes egoístas e malvados (o tema não varia muito!), foi enterrada pela magia duma jovem senhora que, se supõe, era a Virgem. Ela perguntava sobre o caminho até Souternon e ninguém se havia dignado indicar.

ORMONT. As Roches-des-Fées do Ormont, nos Vosgos, dominam a cidade de Saint-Dié. São três enormes cubos de grés coroando uma gruta cuja abertura é tão estreita que há que se deslizar por ela como um réptil. Depois a gruta se alarga e se faz bastante ampla. Mais longe, mas a entrada está bloqueada, se estende a cidade das Fadas, onde dormita toda uma população de bebês onde cada um espera seu dia pra fazer sua aparição na vida. Volta a se encontrar aqui o mito da mãe gestante e do estreito compartimento comunicando com a gruta uterina.

ISSARLÉS. Lago de Ardéche, a 30km a vôo de pássaro ao sul-sudeste do Puy. Profundidade 128m, altitude 1.000m. Produzido pelo desabamento no granito. Há 2.000 anos Issarlés era uma cidade bela e florescente onde passou Jesus. Pediu caridade, mas ninguém lhe deu nenhum vaso de água, nenhum pedaço de pão. Abandonou, pois, a cidade, mas, na última casa, uma mulher lhe ofereceu pão e leite.

Jesus lhe anunciou, então, que ia destruir Issarlés, mas que ela poderia se salvar se se pusesse, imediatamente, em marcha e não voltasse a cabeça no momento do cataclismo. A boa mulher se voltou ao ouvir a água impetuosa alagando os habitantes e destruindo suas casas e ficou ela convertida em rocha. Trata-se, evidentemente, duma copia cristã do afundamento da cidade de Ys e da destruição de Sodoma.

ESTANQUE DE THAU (Hérault). Cidade enterrada perto do penhasco de Roquerol sobre o estanque de Thau. Quando sopra a tempestade se ouvem repicar as sinos da igreja.

LURDES (Altos Pirineus). Antanho, no lugar onde se encontra atualmente o lago de Lurdes, havia uma cidade cujos habitantes se negaram a dar caridade ao Bom Deus disfarçado de mendigo. Cheio de ressentimento o Senhor submergiu a cidade da qual se vislumbraria, ainda, nos claros dias de verão, as coberturas na profundidade.

BIGUGLIA. O célebre astrônomo grego Cláudio Ptolomeu, em seu Geografia, situava a cidade de Ctunium perto do estanque de Chiurlino. Uma tradição diz que o castelo do conde Fabiano foi engolido pelo estanque como castigo à maldade da condessa.

Continuaremos com 'os povoados subterrâneos'.




A BARCA DE RA III


A grandeza dessa civilização ultrapassa nossa compreensão e se projeta ao infinito, nas profundezas dos mistérios cósmicos, onde suas barcas sagradas continuam navegando, na sua incessante busca dos Campos Celestiais e no profundo anseio de sua união com os deuses que, em verdade, representam os atributos do Deus Único.

O egiptólogo Alan Shorter nos diz que nos relatos dessa jornada de RA ao submundo, deparamo-nos com uma hoste de misteriosos seres, enquanto lagos de fogo, vítimas sacrificadas e cem números de serpentes compõem juntas, um verdadeiro pesadelo.

Houve variações desse mito, como o Livro dos Portões, o Livro da Noite e também O Livro das Cavernas. Todos tinham o mesmo intuito de incluir a alma do morto na barca solar de Rá para que pudessem atravessar o Duat.


A primeira versão do Livro da noite, que sabemos vem de Osireion em Abidos, e cobre apenas até a hora nona da noite (Farei um resumo deste livro em breve).

Descrições extraídas de " O Túmulo de Ramsés VI ", p 227 et seq. A. Piankoff, para versões mais antigas do trabalho (decoração do terceiro corredor – Livro das Portas e Livro de Amduat.

O Duat é uma vasta área sob a Terra, ligados à Nun, as águas do abismo primordial, o Duat é o reino do deus Osíris e da residência de outros deuses e seres sobrenaturais. É a região através da qual o deus-sol Ra viaja de oeste para leste durante a noite.


Duat também é o lugar por onde as almas passam para o julgamento após a morte, embora não seja toda a extensão da vida após a morte. Os espíritos podem ir e vir entre os mundos físico e Duat.

A geografia do Duat é similar em linhas gerais para o mundo os egípcios conheciam. Há características realistas, como rios, ilhas, campos, lagos, montes e cavernas, juntamente com lagos fantásticos de fogo, paredes de ferro e as árvores de turquesa. No livro de duas maneiras, um dos Textos de Coffin, há mesmo uma imagem do mapa-como do Duat.

O morto deve passar por uma série de portões guardados por perigosos, retratados como corpos humanos com cabeças grotescas de animais, insetos, tochas e demônios. O objetivo é chegar ao final do 12º portal para a pesahem do coração e o julgamento.


Neste ritual, o coração do defunto era pesado por Anubis, usando uma pena, o que representa Ma'at, a deusa da verdade e da justiça. O coração se tornaria fora de equilíbrio devido a uma falha de seguir Ma'at e qualquer coração mais pesado ou mais leve que sua pena foram rejeitadas e comido pelos Ammit, o Devorador de Almas. Aquelas almas que passaram no teste seria permitido viajar em direção ao paraíso de Aaru.

O calendário egípcio é dividido a cada dia em vinte e quatro horas, doze para o período de luz solar, que cortou o céu Ra em seu barco durante o dia, e 12 sobre o mundo do além, quando o sol atravessou as regiões escuras no Duat o barco durante a noite. O Livro de Amduat estabelece as doze divisões correspondentes às doze horas da noite, dando uma descrição de cada uma delas. A estrutura é muito semelhante aos outros dois reais textos funerários da literatura do Novo Reino, O Livro de Gates e do Livro das Cavernas, mas aqui o sol não tem que passar por qualquer porta. Cada divisão é representada em três registros, exceto para a primeira vez que inclui trimestre recorde adicional.


O centro inclui o caminho do barco pelo rio de Duat, assimilado do Nilo, mas apenas nas segunda e terceira hora de funcionamento através da água, aparece em um pequeno retângulo que representa a água. Apenas algumas horas rebocado no quarto, quinto, oitavo e décimo segundo.

Ao contrário de outros textos, em que a representação do barco é sempre o mesmo, no livro de horas Amduat pode variar. A comitiva que o acompanha é composta normalmente por estrada Opener (Upuaut), Sia, A Senhora do Barco, a carne de Rá, representado como um símbolo de carneiro cabeça Ba, Horus de Louvores, El Toro Verdade, The Watcher, Hu eo Guia de la Barca. Há exceções, como na segunda hora, que são Isis e Nephthys como duas cobras. No primeiro, a proa do barco é coberto por uma esteira de junco, e do segundo, tanto o arco como a popa, com flores de lótus, exceto o quarto final e quinto que é uma cabeça de cobra. A imagem típica de uma cobra em torno do deus só aparece a partir da sétima divisão.

Outra das obras que narra essa viagem é chamada modernamente de Livro de Him no Inferno e, entre outras coisas, ela descreve as serpentes que habitavam o além-túmulo. As paredes da tumba de Tutmósis III (c. 1479 a 1425 a.C.) imitam um enorme papiro com cenas desse livro. Em resumo, todos os citados mencionam o seguinte:


Os barcos sagrados do deus sol são chamados de Mandjet e o Mesektet. O Mandjet era o barco que Rá utilizava para atravessar o céu e o Mesektet era o barco que levava Rá até o submundo. O barco solar (Mesektet) que viajava ao submundo é constantemente retratado no “Livro dos Mortos”, onde ele levaria o morto em seu caminho na busca da vida eterna.

A viagem se manifesta em três entidades diferentes: a aurora era Khepri , ao meio-dia, Horajti e ao anoitecer, Atum . Para os egípcios, todas as noites quando o sol se punha significava que Rá travaria mais uma grande batalha contra a serpente do caos, Apópis.

Segundo os documentos, o inferno dividia-se em 12 regiões que correspondiam às 12 horas da noite e o deus-Sol levava uma hora para atravessar cada uma delas.

O Amduat dava detalhes do que o deus iria encontrar durante a jornada de 12 horas no Duat (lugar de trevas, onde existiam diversos demônios, conhecido também como submundo). Assim como Rá, os Faraós começaram a associar o Amduat com a sua própria vida e o livro servia para que o faraó morto soubesse os nomes dos deuses bons e ruins que iriam encontrar na passagem junto com Rá. Nesse trajeto os demônios procuravam obstruir sua passagem e impedir que ele ressurgisse na Terra no dia seguinte.

Ao pôr-do-sol o deus passava da barca do dia para a barca da noite e, junto com outras divindades, navegava nas águas subterrâneas através das regiões das horas noturnas, iluminando o mundo das sombras e vencendo as criaturas hostis.


Nessa jornada, enquanto visitava o reino dos mortos, a divindade lutava contra vários demônios que tentavam impedir sua passagem. As serpentes estavam entre os adversários mais perigosos e o demônio líder de todos eles era a grande serpente Apófis. Ela era a serpente que habitava o Nilo celeste e algumas vezes surgia do fundo das águas para atacar o deus-Sol e fazer sua barca soçobrar. Gigantesca, ela acaba sendo derrotada pelo deus Seth, que, na proa do barco solar, a trespassa com o arpão.


Na morte, a noite tomava forma de um carneiro Rs ( Auf-Ra ) e, introduzido na boca do céu (Nut), lutava com a serpente Apophis , que vivia nas águas profundas de Nun. Apophis tentava impedir a saída do novo dia. Era a eterna luta entre a luz e as trevas. Caso Apophis vencesse, as trevas reinariam sobre o mundo.

Durante a viagem, Upuaut (Ofois) viajava na popa do barco "abrindo caminhos". Durante as 12 horas de escuridão o Deus visitou as 12 regiões de Duat, habitadas por terríveis monstros que tentavam deter o avanço do barco. Ra renasce a cada manhã como um novo sol.

Ao iniciar a viagem a divindade já sai acompanhada por serpentes, mas estas são suas companheiras: 12 deusas com forma de ofídios cujo trabalho consiste em iluminar a escuridão.



Segundo inscrições do Livro da Noite: Tendo sido engolido por Nut, o sol começa a turno da noite no corpo da deusa do céu. Nas representações, a região da noite, que atravessa o deus sol, ocupa o espaço entre os braços e as pernas de Noz. O espaço ocupado pelo Livro da noite é dividida em retângulos com longas listras verticais representam os onze registro Sebehets ou portas (imagem acima).
(Continua)

A ÁRVORE DA VIDA - Um Estudo Sobre Magia IX


Usando exclusivamente a razão, o ser humano jamais poderá chegar a qualquer verdadeira compreensão do que ele é em si, quer dizer, nunca será capaz de compreender apenas através da mente que ele é uma entidade espiritual eterna, uma estrela brilhante que resplandece pela luz de sua própria essência no interior do corpo brilhantemente adornado de Nuit, a rainha do espaço infinito. Para conhecer realmente a si mesmo como um deus e ingressar na comunhão com o criador pessoal, o homem precisa fazer uso de outros instrumentos e outras faculdades.

Jâmblico formula a lei com muita clareza em Os Mistérios, que não é só pelo raciocínio discursivo ou pela reflexão filosófica que se chega à comunhão com os deuses. É por intermédio do despertar dos poderes espirituais mais elevados por meio dos ritos teúrgicos que se efetua a consumação das longas eras. “Pois uma concepção da mente não une os teurgos aos deuses, visto que se este fosse o caso, o que impediria aqueles que filosofam teoricamente de celebrar uma união teúrgica com os deuses?...

Ora, na realidade esse não é o caso. Pois a perfeita eficácia das obras inefáveis, que são divinamente executadas de uma maneira que ultrapassa toda inteligência, e o poder de símbolos inexplicáveis, que são conhecidos só dos deuses, é que concedem a união da teurgia. Consequentemente, nós não executamos essas coisas por meio da percepção intelectual.”

Observa-se comumente que o indivíduo que é detentor apenas de escassa capacidade intelectual tem frequentemente um maior contato com uma presença espiritual e está mais aberto a intuições do que o seu irmão mais aquinhoado intelectualmente. Paracelso nos assegurou que os grandes Mistérios podem, amiúde, ser mais bem apreendidos por uma mulher simples na sua roca do que pela erudição mais profunda. E, se a memória não me falha, em alguma parte de seus escritos mágicos Lévi também observa que com frequência os verdadeiros magos práticos são encontrados no campo, entre as pessoas incultas, os privados de intelectualidade e sofisticação, ou simples pastores.

Não é a falta de mentalidade ou intelecto que torna o camponês superior. A ausência de capacidade mental por parte do camponês o tornaria realmente inferior, visto que é obviamente a mente que distingue o homem dos animais do campo. Mas quando essa capacidade mental é corrompida pela afetação, pelo convencimento de que ela é suprema, pelo sofisma egotístico, o que é mais freqüente que o caso contrário, então a falta dela se torna relativamente uma grande virtude.

Havelock Ellis cita um exemplo que corrobora tal afirmação. Ele narra que durante uma longa cavalgada pelo sertão australiano na companhia de um tranqüilo e simples fazendeiro, este subitamente lhe confessou que por vezes subia ao topo de uma colina e ficava perdido para si mesmo e para tudo enquanto permanecia contemplando o cenário que o cercava. Aqueles momentos de êxtase, de união pelo esquecimento de si mesmo com a beleza divina da natureza circundante eram inteiramente compatíveis, observa Ellis, com a perspectiva de um homem dedicado ao trabalho árduo e não sobrecarregado pela teologia, a tradição dogmática e a sofisticação dos modos civilizados.

Ora, é bem verdade que os Mistérios eram e são mais facilmente compreendidos e as intuições mais frequentemente franqueadas entre os simples e não-intelectualizados (não digo destituídos de inteligência) porque neles não existe qualquer barreira racional aos raios telésticos de Neschamah.

Entretanto, visto que Ruach foi desenvolvido em virtude de uma longa evolução, não deve ser completamente negligenciado, devendo-se, sim, encorajar seu desenvolvimento em seu próprio campo e no plano de aplicação que se coaduna com ele. E é aqui, num certo sentido, que se infiltra um certo perigo da teurgia.

Não basta ao teurgo intoxicar-se de Deus e envolver-se no conhecimento e na conversação de seu Santo Anjo Guardião e das Essências dos deuses. Por mais grandioso que isso seja, ainda não é suficiente; pois dentro dele, cuja mente está desordenada, ignorante e indisciplinada, os deuses vertem seu vinho em vão.

Pelo fato de se ter renunciado à razão a fim de se alcançar uma síntese mais elevada e uma espécie mais nobre de consciência, não há motivo para negligenciar a aplicação daquela faculdade às matérias pertinentes ao seu próprio lugar na natureza. Essa é a razão porque no sistema de Pitágoras a gramática, a retórica e a lógica eram ensinadas para cultivo e aprimoramento da mente, e também a matemática porque os métodos dessa ciência eram disciplinados e ordenados. A geometria, a música e a astronomia também eram ministradas, sendo desenvolvido a partir daí um sistema de símbolos. Não incorrerá em erro o moderno teurgo que seguir esse plano de treinamento intelectual.

O cultivo do discernimento intelectual é uma tarefa essencial, mas feito isso, restará ainda uma passo a ser dado. “O rei-mago...”, escreve Vaughan, “...constrói sua torre de especulação pelas mãos de trabalhadores humanos até atingir o andar mais alto, e então convoca seus gênios para confeccionarem as ameias adamantinas e as coroa com o fogo das estrelas.”

É pouco proveitoso contemplar as ameias da torre enquanto a própria torre for uma possibilidade. Tampouco é particularmente aconselhável construir o ápice da pirâmide antes de providenciar a base na qual a pirâmide possa se assentar. Mas uma vez esteja ali a base e a torre da razão tenha sido construída, as ameias e o ápice da experiência espiritual passam a ser uma necessidade urgente.

Assim, o objetivo supremo de todo ritual mágico é a construção do ápice da pirâmide e a instalação das ameias na torre intelectual; em outras palavras, a comunhão com o eu superior. Para todo homem é esse o mais importante passo e nenhum outro se compara a ele em importância e validade até que essa união tenha sido realizada. Traz consigo novos poderes, novas extensões da consciência e uma nova visão da vida. Arroja um raio brilhante de luz nas fases até então escuras da vida, removendo da mente as nuvens que inibem a glória da luz espiritual.

Com o atingimento da visão e do perfume percebe-se, como percebeu Jacob Boehme, o campo inteiro da existência natural literalmente fulgurar com um esplendor divino incomparável, de modo que mesmo as árvores erguem seus cimos para os céus e as relvas nos prados verdes gentilmente entoam cantos de louvor e ação de graças, oferecendo hinos de glória à luz suprema.

Na plenitude do Conhecimento e Conversação do Santo Anjo Guardião, o teurgo é capaz de prever mediante a extensão da luz da razão que outros passos têm que ser dados na grande busca que não findou com a iluminação do Anjo, mas que, ele percebe, apenas começou. O universo todo é uma vasta gama de hierarquias espirituais, e o Santo Anjo Guardião se posta em apenas um degrau da escada que se estende acima e abaixo para o infinito. O teurgo percebe que ele é somente uma centelha emitida da essência espiritual de um deus, e por mais estupendamente brilhante que seu próprio anjo seja, se, como os princípios de sua arte o ensinam, esse anjo seja apenas uma centelha, quão mais glorioso é o deus que lhe deu origem? Assim, sua aspiração sob a orientação de seu anjo é sempre dirigida para cima e para a frente, promovendo sua visão interior para a Vida una, para o Ain-Sof, a fonte inominável de tudo.

A natureza não procede por solavancos ou por desfiladeiros intransponíveis ou saltos. Ela progride numa marcha gradual, e essa onda de progresso estável para a frente o teurgo procura imitar. A união com o Ain-Sof não pode ser efetivada imediatamente; é mister que ele suba a escada da vida lentamente, unindo-se em cada degrau em amor e sabedoria com cada hierarquia superior, até que a Luz eterna ilimitada seja alcançada. Jâmblico concebe o mesmo procedimento nas seguintes palavras:

“E quando a alma O recebeu como seu condutor, o daimon imediatamente preside à alma, concedendo completamento às suas vidas, e a prende ao corpo por ocasião de sua descida. De modo semelhante, ele governa o animal ordinário da alma e dirige sua vida peculiar e nos proporciona os princípios de todo nosso pensamento e raciocínio. Igualmente executamos tais coisas conforme ele sugere ao nosso intelecto e ele prossegue nos governando até que através da teurgia sacerdotal, obtenhamos um deus para guardião supervisor e condutor da alma; pois então o daimon cede ou entrega seu governo a uma natureza mais excelente, ou é submetido ao deus como colaborador na sua guarda, ou de alguma maneira é ministrante com ele como se fosse seu senhor.“

Não é bem que o Santo Anjo Guardião cede o governo da alma humana à presença do deus, e sim que a alma, já unida ao anjo e assim formando um ser completo, se une de maneira similar ao deus. Ou, talvez, que o anjo que tomou para si mesmo a vida da alma tenha, correspondentemente, assumido a vida ampla e superior do deus, o qual para o anjo é como o anjo era primeiramente para a alma.

Prosseguindo, Jâmblico acrescenta: “Ademais, depois dela (quer dizer, a teurgia) ter unido a alma às diversas partes do universo e aos poderes divinos totais que por ela passam, então guia a alma e a deposita no íntegro demiurgo, fazendo-a ser independente de toda matéria e estar co-unida com a razão eterna somente. Mas o que quero dizer é que ela liga peculiarmente a alma com o deus autogerado e automovido e com os poderes intelectuais que tudo sustentam e tudo embelezam do deus, e igualmente com aquele poder dele que eleva à verdade, e com seus poderes de auto-aperfeiçoamento, de eficiência e outros poderes demiúrgicos, de maneira que a alma teúrgica se torna perfeitamente estabelecida nas energias e intelecções demiúrgicas desses poderes. E então a teurgia também insere a alma no deus demiúrgico integral, findando aqui com os egípcios o assunto da elevação da alma à divindade pelo sacerdócio.”

Dificilmente se poderia descobrir uma visão mais grandiosa e mais completa. A teurgia se propõe tomar um homem, despojá-lo gradualmente, por assim dizer, de tudo que não seja essencial e penetrar, finalmente, na alma interior. Então essa alma interior é exaltada e guindada, sempre de maneira gradual, até que ela encontre seu Senhor soberano, o Amado. Guindando-a cada vez mais alto, embora ainda humano num corpo físico de carne e sangue, o homem é elevado além dos céus, ingressando na união e comunhão espirituais com os poderes que são o universo, as fontes que proporcionam vida e sustentação ao conjunto da existência manifesta. Ultrapassando-os, a alma plana e ascende, transcendendo mesmo aos deuses que surgiram ao primeiro rubor da aurora dourada, até que com um êxtase incomparável de silêncio, ela retorna à Grande Fonte de Tudo.

(Israel Regardie - continua)

12 de agosto de 2012

A BARCA DE RÁ II


Os egipcios acreditavam que durante a noite, apesar do deus-Sol se tornar invisível, a divindade continuava a sua jornada. Ao pôr-do-sol o deus passava da barca do dia para a barca da noite e, junto com outras divindades, navegava nas águas subterrâneas através das regiões das horas noturnas, iluminando o mundo das sombras e vencendo criaturas hostis.

Uma das obras que narra essa viagem é chamada modernamente de Livro de Him no Inferno e, entre outras coisas, ela descreve as serpentes que habitavam o além-túmulo. As paredes da tumba de Tutmósis III (c. 1479 a 1425 a.C.) imitam um enorme papiro com cenas desse livro, como essa que vemos abaixo na qual uma serpente e mais doze deidades arrastam a barca de Rá.


Nessa jornada, enquanto visitava o reino dos mortos, a divindade lutava contra vários demônios que tentavam impedir sua passagem. As serpentes estavam entre os adversários mais perigosos e o demônio líder de todos eles era a grande serpente Apófis. Ela era a serpente que habitava o Nilo celeste e algumas vezes surgia do fundo das águas para atacar o deus-Sol e fazer sua barca soçobrar. Gigantesca, ela acaba sendo derrotada pelo deus Seth, que, na proa do barco solar, a transpassa com o arpão.

De acordo com a literatura eegipcia, o inferno dividia-se em 12 regiões que correspondiam às 12 horas da noite e o deus-Sol levava uma hora para atravessar cada uma delas. Nesse trajeto os demônios procuravam obstruir sua passagem e impedir que ele ressurgisse na Terra no dia seguinte.

O egiptólogo Alan Shorter nos diz que nos relatos dessa jornada deparamo-nos com uma hoste de misteriosos seres, enquanto lagos de fogo, vítimas sacrificadas e cem números de serpentes compõem juntas, um verdadeiro pesadelo.
Ao iniciar a viagem a divindade já sai acompanhada por serpentes, mas estas são suas companheiras: 12 deusas com forma de ofídios cujo trabalho consiste em iluminar a escuridão.

Na quarta região, o deus sol enfrenta inúmeras serpentes fantásticas com cabeças humanas e muitas pernas curtinhas ou com asas e múltiplas cabeças de cobra. Uma dentre essas serpentes é dotada de pernas e braços humanos e três cabeças, duas numa das extremidades do corpo e uma na outra. Essa última é segurada por um deus que mantém o monstro sob controle.

Tal serpente é a divindade conhecida pelo nome de Nehebkau, a qual tem uma trajetória de vida interessante: inicialmente ela era apenas um réptil monstruoso que ameaçava os mortos mas, posteriormente, foi domesticada e passou a ser ministro do próprio deus-Sol. Em sua nova função era provedora de alimentos para os falecidos, inclusive para o faraó, a quem protegia e recebia no mundo subterrâneo servindo-lhe comida. Regenerado, esse deus invisível passou a ser conhecido como aquele que protege os espíritos e exercia seu poder protetor não apenas no além-túmulo, mas também durante a vida das pessoas.

O Texto das Pirâmides refere-se a ele como esposo da deusa Selkis e, por consequência, associado aos encantamentos contra picadas venenosas. Dizia-se que esse deus havia engolido sete najas, do que advinha o seu poder mágico.

Outra tradição afirmava que o deus era filho de Geb e Renenutet, o que o associava à terra e à fecundidade, o que, por sua vez, podia ser o fator responsável pelos seus poderes. Em um dos encantamentos do Livro dos Mortos o defunto pede para outras deidades que lhe recomendem a Nehebkau, de maneira que seu coração possa ser aceito na vida após a morte.

Nehebkau também foi chamado de aquele que mantém as energias reunidas, pelo que se desejava significar que nele estavam reunidas as energias do universo em sua totalidade. Ele era um ser primevo e, como tal, um réptil indestrutível e invulnerável. Como um ser primevo, Nehebkau pertencia ao mito da criação e nunca teve, tanto quanto se sabe, um centro de culto próprio ou um culto significativo nos grandes templos.

No portal da terceira região, por exemplo, ficava postada a serpente Qaby. O espaço defronte ao portão é guardado por serpentes que cospem fogo. Entretanto, quando o deus-Sol chega ao local, nove deuses que ali se encontram defendendo os muros louvam-no dizendo:

Aberto está o portão para o Morador do Horizonte, escancarada a porta ao Morador dos Céus! Salve e seja bem-vindo, viajante que percorreste o ocidente inteiro!

Na sexta região habitava a serpente chamada Am-akhu e conhecida como Devoradora dos espíritos. É representada rastejando, mas com a cabeça erguida. Por sobre o ponto mais proeminente de cada uma das quatro ondulações de seu corpo surge uma cabeça humana barbada: são as cabeças dos quatro filhos de Hórus, as divindades guardiãs dos vasos canopos. Sua função era a de devorar as sombras e de engolir os espíritos dos inimigos de Rá, de onde advém o seu epíteto de devoradora dos espíritos, e destruir aqueles que fossem hostis ao deus-Sol no mundo subterrâneo.


NA oitava região há seres misteriosos que habitam as águas. Aí também se encontram os inimigos de Osíris, retratados na ilustração acima em número de doze, em posturas de agonia, em grande confusão, de braços atados, enquanto uma imensa serpente de nome Khéti, vomita fogo sobre eles. Ao lado, Hórus, o filho de Osíris, a primeira silhueta à esquerda na figura acima, profere uma sentença terrível para os prisioneiros:

Sereis cortados em pedaços e passareis a não mais existir! Vossas almas serão destruídas, não mais vivereis, pelo que fizestes ao meu pai Osíris! [...] Ó Khéti, minha serpente, tu, Fogo Poderoso, de cuja boca sai esta chama que está em meu Olho, cujas ondulações são guardadas por meus filhos, abre a tua boca, move tuas mandíbulas, vomita o teu fogo contra os inimigos de meu pai, queima seus corpos, devora as almas com o hálito quente de tua boca e com o fogo que está em teu ventre!

Na nona região habitam 12 najas, ou seja, uma dúzia de serpentes uraei, que cospem fogo pela boca e, dessa maneira, iluminam a escuridão do mundo subterrâneo para Osíris. São elas, também, que provocam a destruição daqueles que são derrotados no além-túmulo. São elas, ainda, que rechaçam as serpentes de todo tipo que rastejam pelo chão e que não tenham formas reconhecidas pelas divindades do submundo. Elas vivem do sangue daqueles que elas fazem em pedaços diariamente; mas só são destruídos, na verdade, aqueles que não conhecem as fórmulas mágicas. Quem as conhece, consegue passar incólume por essas cobras sem ser queimado.

Na décima região ocorrem os ataques do pior inimigo de Rá, a serpente Apófis, que representava as tempestades e as trevas. Enfrentada por deuses munidos de facas e atada pelo pescoço com uma longa corrente, firmemente mantida por mais de 20 divindades, o monstro não obtém sucesso. O deus-Sol atravessa os domínios da serpente enquanto ela permanece presa em seus grilhões.

Na décima primeira região, ou seja, já quando o Sol se prepara para renascer em um novo dia, novamente a serpente Apófis ameaça o barco de Rá. Mais uma vez diversas divindades, armadas de enormes facas, enfrentam o monstro, que aqui também surge preso ao solo por cinco correntes.

Finalmente, após superar os obstáculos e vencer todos os inimigos, inclusive o líder de todos eles, a imensa serpente Apófis, o deus-Sol chegava à décima segunda região que é o fim do mundo subterrâneo.

Tendo o barco solar chegado até aqui, o deus Rá preparava-se para emergir das águas de Nun, a divindade que personifica as águas primordiais, novamente sob a forma de um disco que iluminaria os céus deste mundo. Estando na água, o barco é mantido pelos braços do próprio deus Nun.


Rá aparece na embarcação sob a forma de um escaravelho que empurra um disco solar. À sua esquerda está Ísis e à sua direita Néftis. Outros oito deuses fazem parte da tripulação.

Acima do barco há uma espécie de ilha formada pelo corpo de um deus curvado, de maneira que a ponta de seus pés lhe atingem a cabeça. Nesta se apoia Nut, a deusa céu, com os braços e mãos esticadas para receber o disco do Sol que o escaravelho move em sua direção. Assim, o deus-Sol vence finalmente a última etapa de sua viagem noturna e ressurge para brilhar mais um dia sobre a Terra.
(Continua)





ÁRVORE DA VIDA - Um Estudo Sobre Magia VIII

CAPITULO V
Em relação à complexa controvérsia filosófica de séculos relativa à subjetividade ou objetividade dos fenômenos, há alguns problemas sumamente abstrusos a serem resolvidos por cada teurgo. Cada um desses problemas clama imperiosamente por resposta. A Cabala deixa toda a questão aberta para ser respondida eventualmente sob a luz da experiência espiritual. Esse grande problema não é passível de ser descurado, embora a prática mágica não precise necessariamente ser afetada por uma opinião sustentada preferivelmente a uma outra.

Muitos teurgos preferiram o óbvio ponto de vista direto isento de todas as complexidades da metafísica. Considera todas as coisas individuais, os deuses e todas as forças da natureza como existindo independentemente entre si e exteriores à consciência individual; que o teurgo não passa de uma porção infinitesimal da grandeza majestosa da universalidade.

Essa teoria pressupõe que as hierarquias espirituais existem da maneira mais objetiva concebível. Em algum lugar do universo em algum plano sutil invisível há uma inteligência chamada Taphthartharath, por exemplo, que é um ser tão real em seu próprio modo como o alfaiate de alguém o é no seu, e que como o alfaiate ele responde quando convocado através dos métodos apropriados. Taphthartharath é assim tão independente dos sentidos e consciência do mago quanto este é independente dos sentidos de uma mosca doméstica ordinária. Ambos existem objetivamente cada um em seu próprio plano à sua própria maneira. As mesmas observações se aplicam aos vários planos sutis da natureza com os quais o mago entra em contato. Embora sejam invisíveis e compostos de uma substância sutilíssima e rarefeita, ainda assim, do mesmo modo, são objetivos para sua própria mente. Assim, o progresso na teurgia implica uma união real entre a consciência menor do mago e a consciência maior do deus. O primeiro é assimilado à própria estrutura e natureza do segundo.


Um dos postulados fundamentais da magia é que o homem é uma imagem exata em miniatura do universo, ambos considerados objetivamente, e que aquilo que o homem percebe como existente externamente está também, de alguma maneira, representado internamente. Uma interpretação dessa idéia fornecida por Blavatsky – e, na verdade, por todos os filósofos ocultistas, inclusive Steiner e Heindl – é que o homem foi formado pela ação de diversas hierarquias criadoras, sendo que cada uma delas não apenas contribuiu com alguma parte de si mesma, como também efetivamente desceu à Terra e se encarnou em natureza humana.

Evidências semelhantes existem no Livro dos Mortos, demonstrando que entre os egípcios não havia nenhuma parte do homem que não estivesse relacionada com as essências universais; que cada membro e parte de sua natureza era, na verdade, o membro de algum deus. Com base nessa teoria, os deuses e as essências universais passam a ser apreendidos no domínio da constituição interior do homem, prestando-se à interpretação de que a arte teúrgica não envolve a convocação de entidades exteriores, que é o caso da teoria da objetividade, mas sim a revelação das faculdades inerentes ao próprio ser humano. Desse ponto de vista, a experiência mística não se refere primariamente a qualquer assunto externo. Formulando esse elemento de um modo um pouco mais preciso, a transformação espiritual da união é fundamentalmente um reajuste de elementos psíquicos entre si, o que capacita a máquina inteira a funcionar harmoniosamente. Não há necessariamente introdução através dos canais do ritual mágico de novas idéias, ou deuses.

Graças a esse meio ocorre uma expulsão de idéias decadentes que obstruíram o processo vital com conseqüências desastrosas. A organização psíquica ou alma não estivera em harmonia consigo mesma, e através dos mecanismos da magia ela agora gira verdadeiramente em torno de seu próprio eixo, e ao fazê-lo encontra simultaneamente sua verdadeira órbita no sistema cósmico. Tornando-se una consigo mesma, efetuando este reajuste dinâmico, esta retomada da integridade de sua consciência, ela se torna una com o universo, ou com alguma porção do universo. O processo é análogo ao que acontece no plano físico com uma pessoa cuja mandíbula, por exemplo, é deslocada. O infeliz com uma mandíbula deslocada não está apenas em desarmonia consigo mesmo, como também com o universo; nem seus próprios esforços nem aqueles de seus amigos podem ajudá-lo. Mas então surge um cirurgião que, aplicando uma ligeira pressão, coloca a mandíbula no lugar; aquele homem é devolvido à harrmonia e – é claro – o universo é estaticamente transformado. Assim, a “união com um deus” e o êxtase que daí advém são o resultado de harmonizar ou equilibrar por meio da magia as várias até então conflitantes ou separadas porções da consciência. Nada novo foi acrescentado à mente ou invadiu a esfera da consciência a partir do exterior para que um homem devesse estar tão iluminado e capacitado a perceber com fino arrebatamento a beleza da natureza e a glória esplêndida no coração de todas as coisas. Certos centros de sua mente ou idéias poderosas, até aqui latentes no interior dos departamentos de seu próprio ser, foram estimulados a tal ponto que uma síntese mais elevada e um mundo melhor são revelados.


Visto que é sua própria consciência que o mago deseja influenciar, expandir e elevar-lhe os limites, é preciso apresentar uma breve exposição dos métodos pelos quais os teurgos concebem essa consciência. Previamente, a Árvore da Vida foi considerada como um símbolo numérico da progressão ordenada do universo a partir da idealidade; como um meio de classificação para referência sistemática das hierarquias espirituais; e, em terceiro lugar, como a estrutura de referência para idéias, símbolos e signos que estão presentes na magia prática.

As Sephiroth podem ser pensadas como forças cósmicas, como emanações cuja esfera principal de operação se acha no macrocosmo. Por analogia e já que o ser humano é, por definição, o microcosmo, princípios similares têm preponderância na economia humana. As hierarquias de deuses, sendo cósmicas em suas atividades, são também, das mais grandiosas às mais modestas, representadas em alguma parte dos princípios que na sua totalidade compreendem o que conhecemos como homem, exatamente como elas em si mesmas, como a totalidade das forças cósmicas, são incluídas na concepção unificadora do Homem celestial.

O poeta celta A. E. em seu mais recente trabalho, Song and its fountains [A canção e suas fontes], no qual ele se empenha para descobrir a fonte da criação lírica numa entidade espiritual interna além da imaginação, percebe com suma beleza essa concepção. “Penso que poderíamos descobrir se nossa imaginação é profunda fazendo os raios de nossa personalidade transbordarem para algum zodíaco celeste. E, como em sonho, o ego é drasticamente dividido em isto e aquilo e tu e eu, de sorte que na totalidade de nossa natureza estão todos os seres que os homens imaginaram, aeons, arcanjos, domínios e poderes, as hostes das trevas e as hostes da luz, e podemos trazer este ser múltiplo a uma unidade e ser herdeiros de sua sabedoria imensurável.”
Dos grandes seres que surgiram na alvorada do tempo ao mais baixo elemental e eon, todos os deuses e forças celestes estão contidos no homem, que é o templo vivo do Espírito Santo.

A Coroa, a primeira Sephira, representa o espírito auto-existente, eterno, supremo, que não nasce e não morre, e que persiste sublimemente ao longo das eras fugazes. Chamado pelos Zoharistas de Yechidah, o “Único”, é por definição um ponto de consciência metafísica e espiritualmente sensível, indivisível e supremo, o centro do qual flui a energia e força do homem. O homem íntegro é um espírito, um centro eterno de consciência, todos os outros princípios sendo variações de suas atividades, invólucros de sua própria substância, espiritualidade e corporeidade sendo tão-só duas facetas de uma e mesma essência.

A mônada é como um espelho e, embora imutável em si mesma, reflete ao mesmo tempo a harmonia de todas as outras mônadas com as quais, no corpo de Adão Kadmon, está em conjunção indivisível. Seus veículos diretos são os poderes de Chokmah e Binah – Sabedoria e Compreensão, os dois pólos manifestos do instrumento criador que ela emprega. E, no entanto, não são apenas instrumentos, mas, na realidade, os mais elevados aspectos da atividade do ser espiritual cuja luz consagrada é infinita e eterna. No homem essas duas Sephiroth são representadas pelos princípios chamados Chiah e Neschamah, a vontade e a alma espiritual cuja natureza é intuição. Existindo no plano da criação, refletindo as potências que emanam do Eu divino no mundo arquetípico, a vontade e a alma constituem com a mônada o imperecível homem inalterável. Não a mônada sozinha, pois como princípio é demasiadamente abstrato e espiritualmente indiferente para ser concebido como homem, mas essa trindade de Sephiroth forma coletivamente uma unidade metafísica que é o deus interior, o criador na vida individual, o artista e o poeta, o gênio cujas criações ideais são projetadas a partir de sua própria essência divina para dentro da consciência de despertar-de-um mundo de seu veículo imediato.

É essa tríade celestial, a mônada com seus veículos da vontade e intuição, a qual é efetivamente um deus, uma inteligência divina na Terra para a obtenção de experiência e autoconsciência. Quanto mais se entra em comunhão com essa entidade e quanto mais firmemente está a consciência pessoal entrincheirada em sua consciência mais terna e mais extensiva que tudo abarca, mais se compreende plenamente o sacramento da encarnação, atingindo o esplendor total daquele eterno milagre: a humanidade. No criador do universo individual realmente vivemos, nos movemos e somos. Contudo, tão absurdos são os caminhos dos homens e a tal ponto nos desviamos do essencial, que poucos de nós conscientemente compreendem nossa divindade; que nós, como Cristo, como Buda, como Krishna somos filhos de Deus, deuses em verdade.

Chiah é a vontade, o primeiro veículo criativo da mônada, e sua atividade é sabedoria e discernimento, bem como aquela força misteriosa de criatividade chamada por Blavatsky de Icchashakti. É também como o aspecto ativo do buddhi da teosofia, normalmente o escrínio da mônada, peculiarmente conectada ao esplendor da serpente enrodilhada, a Kundalini, simbolizada pela Uraeus encontrada na fronte e cobertura de cabeça de muitas divindades egípcias. Como Chiah é o poder criativo energético ativo e visto que na magia prática o bastão é o instrumento cerimonial da criação, o bastão é o símbolo verdadeiro da vontade espiritual, aquele que ereto ascende aos céus, um poder de criação vigoroso e irresistível.

Estando Neschamah em oposição a Chiah na Árvore, é feminina e passiva, representando a verdadeira visão espiritual da intuição ou imaginação. Como o cálice no altar está sempre aberta para receber os ditames e comandos emitidos de cima. A ela também se refere a imaginação espiritualizada chamada Kriyasakti, que com a vontade constitui o poder por excelência utilizado na magia.

Esses três princípios, como as Sephiroth superiores, existem além do Abismo, se refletindo descendentemente no universo fenomênico da consciência humana, no qual a alma humana provida da vontade inferior, memória e imaginação se agita. Mas enquanto essas existem abaixo do Abismo, seus nôumenos existem acima do Abismo sem a limitação e restrição que a mente inferior e as condições humanas geralmente impõem a elas. Quanto mais alguém se abre para a vontade divina e a imaginação divina do deus interior, maior se torna na manifestação da divindade de si mesmo, um oráculo dos mais elevados, um veículo imaculado do mais puro fogo espiritual. Tal como um poeta ou um músico é tão-somente assim e jamais diferentemente quando a inspiração apocalíptica está sendo nele derramada de sua própria fonte divina, fato que, entretanto, na maioria dos casos é sequer reconhecido e muito menos compreendido e encorajado, um homem existe como melhor místico e maior mago na renúncia em sacrifício devoto à oblação de sua própria vontade e ego humanos, de maneira que a Vontade de seu Pai no céu possa ser consumada na Terra.

Como as Sephiroth superiores e as Essências cósmicas se projetam em formas mais densas e em matéria menos sutil, do mesmo modo atuam as Sephiroth humanas em obediência à lei do macrocosmo. Abaixo do Abismo, as cinco Sephiroth seguintes recebem o nome de Alma humana ou Ruach, um princípio composto de razão, vontade, imaginação, memória e emoção centradas na Sephira da harmonia. É este Ruach que é o veículo criado do eu real, um mecanismo, por assim dizer, criado através de longos eons de evolução, esforço e sofrimento como um recurso para obtenção de contato com o mundo externo, de modo que pela experiência assim obtida o eu possa atingir uma compreensão autoconsciente de seus próprios poderes divinos e natureza elevada. É em Ruach que a autoconsciência é centrada, embora seja verdadeira a anomalia psicológica de que esse mecanismo de percepção, desenvolvido somente como um instrumento, usurpa o poder daquele que lhe deu origem, colocando a si mesmo num pedestal como o ego, como aquele que possui poder real, discernimento, vontade e capacidade de resolver os problemas da vida. Este Ruach que chama a si mesmo de “eu”, alterando-se momentaneamente com o passar do tempo, perturbado pelo fluxo e pela onda premente de pensamentos mutáveis e emoções convulsivas, é precisamente a coisa que não é “eu”. Simplesmente um veículo, ele assumiu – como um macaco simula as ações de seu dono – a prerrogativa de uma existência independente, divorciando a si mesmo de seu próprio senhor divino, a energia que exclusivamente lhe concede vida e sustento.

Em magia é esse ego empírico, esse eu inferior que tem que ser oferecido em sacrifício ao Santo Anjo Guardião. Como o conceito de sacrifício implica que aquilo a que se renuncia deva ser o melhor e maior sacrifício, um Ruach bem desenvolvido, bem treinado em todos os processos da lógica e do pensamento, bem munido de conhecimento e observação, e perfeito na medida do possível nas coisas de seu próprio domínio, constitui o maior sacrifício que o mago pode depositar sobre o altar como uma oferenda ao Supremo. “Aquele que perder sua vida a encontrará.”

Normalmente, devido à natureza ilusória da mente em que está focalizado o centro da consciência, e devido à sua própria predileção por coisas inexpressivas e ilusórias, a nossa visão do eu superior está obscurecida, impedindo nosso contato mais estreito com a consciência real, permanente e imortal que realmente nos pertence. É, portanto, mediante o sacrifício do falso ego que podemos atingir a conversação espiritual e o conhecimento do Santo Anjo Guardião.

Somente através da renúncia da mente e da completa destruição de sua natureza ilusória, o desenraizamento daquele elemento que concede egoísmo a uma mera combinação de percepções, tendências e memórias, pode o deus interior se manifestar e conferir a magnífica bênção do êxtase místico à alma humana. Para que não haja uma interpretação errônea relativamente às palavras destruição, renúncia e sacrifício do ego, entenda-se que o próprio princípio não é destruído, o que constitui uma impossibilidade em todos os casos. Mas o falso valor do ego, sua complacência, a ilusão de que ele apenas é real e permanente, tudo o mais sendo suas criações – isso é oferecido para a destruição. Quando a afetação e o falso egoísmo no Ruach são desenraizados, ele é um instrumento da alma superável por poucos.

A nona Sephira é o fundamento do homem inferior. É chamada de Nephesch* e é aquele princípio lunar vegetativo e instintivo que concerne unicamente ao ato de viver. Essa alma animal é a um único e mesmo tempo um princípio de energia e substância plástica, a totalidade das correntes de vitalidade bem como o molde astral invisível na superfície do qual os átomos grosseiros se arranjam como o corpo físico. Como um princípio substantivo, ele é o corpo astral, o duplo plástico construído de substância astral e que serve de base ou esboço do corpo físico. Nutrido pela luz astral, precisamente como o corpo físico é nutrido pelo produto e as energias da terra, é comparável ao que é denominado subconsciente – a despeito de não possuir nem mente nem inteligência próprias – de maneira que todo pensamento que temos, toda emoção que sentimos, toda ação que praticamos deixam uma impressão ou memória indelével sobre aquela substância, preservando assim no corpo astral o reflexo e registro automático da vida passada.

Todas, ou quase todas, as características atribuídas pelos psicanalistas ao subconsciente são analogamente atribuíveis a Nephesch, ou ao menos àquele aspecto de Nephesch que diz respeito aos instintos e impulsos, e que atua como um depósito automático de sensações e impressões, tal como a expressão inconsciente coletivo pode muito bem ser aplicada ao nosso conceito de luz astral. Todos os instintos fundamentais de um homem, os impulsos radicais primários que ele vivencia, pertencem à Sephira Yesod, o fundamento do qual toda a energia vital flui.

Todos esses princípios se mantêm e operam como um organismo vivo no princípio do corpo físico, Guph, atribuído à decima e última Sephira, o Reino, a sede de toda força e função de todos os planos sutis da natureza e de todo poder espiritual do homem; de toda verdade, e nesse sentido o corpo humano é o Templo do Espírito Santo.

É com respeito a Ruach ou Manas inferior que desejo, em particular, me estender um pouco mais. Embora ele compreenda as cinco Sephiroth numeradas de quatro a oito inclusive, sua sede central é em Tiphareth, a esfera da harmonia e equilíbrio. E embora, também, a vontade e a imaginação em seus aspectos vitais estejam colocadas acima do Abismo nas Sephiroth superiores na constituição imperecível do homem interior, estão em Ruach os pálidos reflexos daqueles dois poderes que são de particular interesse para os teurgos na busca de suas artes.

Um outro problema que diz respeito ao mago é o fato de ser inerente a Ruach um princípio de autocontradição que impede seu uso, independentemente de qualquer assistência superior, para a busca da verdade e da luz. Alhures eu consegui ocupar-me um pouco dessa questão da incapacidade do homem racional de transcender o mundo fenomênico, e muito mais a respeito desse tema pode ser encontrado no esplêndido tratamento de Kant das quatro antinomias da razão no Prolegômenos, em Aparência e Realidade, de Bradley; e um resumo excelente se acha no Tertium Organum de P. D. Ouspensky.
(Israel Regardie)