18 de janeiro de 2013

ARQUIVOS DE OUTROS MUNDOS XIII

Capítulo XI
O IMAGINÁRIO E A ILUMINAÇÃO

A iniciação não se aprende em classe ex cátedra.
É a meta, jamais alcançada, duma lenta e difícil busca num labirinto onde abundam as saídas ocultas, os atoleiros, e é mediante experimento, estudo laborioso, honesto, e extravio continuo, que o adepto chega a adquirir determinada luz da qual nunca saberá sua natureza profunda nem sua autenticidade.

Porque a verdade não pode ser alcançada. É como querer adivinhar a Deus, os arcanos supremos, o extremo do infinito.

É como querer alcançar o absoluto.
Então o adepto deve operar por suas mãos e por seu espírito, se deixar penetrar pelo invisível e, sobretudo: Fazer trabalhar a imaginação.

Mas, como gosta de repetir Christia Sylf, é necessário imaginar de verdade.
HERDAR DE SEU PAI E IMAGINAR O ACERTADO
Um de nossos grandes pensadores, Filipe Lavastine, assegura que a imaginação é o passo inicial ao labirinto.
Expõe que Deus se imaginou através do homem e através de toda coisa e o homem herda Deus como herda seu pai e com todo seu sabor primordial.

Herdar Deus e herdar seu pai (sem a proposição de) significa se voltar Deus, se voltar a seu pai. É dar a mesma identidade a Deus e ao homem, ao pai e ao filho.

Sobre outro plano, é ter o mesmo tempo, o mesmo espaço, a mesmo origem, o mesmo destino, a mesma essência, o mesmo código genético. Aprofundando, Ph. Lavastine sugere que o universo é um vasto sonho, povoado de imaginação. No transcurso desse sonho Deus se imagina no homem e nos acontecimentos como o que dorme se imagina em seus fantasmas.

Não pensar por imagem é ter perdido a própria linguagem do significado, é cair ao nível do verbalismo.

Porque, pra Filipe Lavastine, a imagem, a criação de imagens, a imaginação numa palavra, são mais ricas, mais significativas que o verbo-maia, do que se sabe que é apenas comunicável.

O homem não é uma ideia, nenhum construtor de material — acrescenta Lavastine — e, afinal de conta, o gênero humano agonizará ao redor das fábricas, das máquinas que constroem laboratórios, e nas bibliotecas, bosques inteiros arrasados pra elaborar o papel, que armazena as ideias ocas e vãs. E pra legar isso a quem?

— Deus não o quererá!
«Tudo o que foi criado de grande, de sublime, de sobre-humano foi imaginado e somente criado no imaginário».

Homero inventou 90% da Odisseia, Rabelais imaginou Gargântua e Pantagruel, Sylf pariu, espiritualmente, a cidade de Kobor Tigan's, mas todos imaginaram verdadeiro.

A um nível nitidamente menos elevado, quando faz vinte anos os pré-historiadores acreditavam na Antiguidade do Homem de Montbron, na autenticidade do ecantropo de Piltdown, um precioso apelativo pra uma brincadeira de estudantes de medicina, nas cavernas, únicos habitáculos dos homens pré-históricos, e em antepassados com só uma antiguidade de 800.000 anos, afirmávamos, sem prova material senão pela lógica e imaginação que esses decretos oficiais eram errôneos e que, principalmente, a antiguidade do homem se remontava a milhões e milhões de anos!

O verdadeiro em seu universo ou nalgum outro que não conhecemos e onde suscitam suas personagens, como Merlim o mago, mostrador de imagem, fazia nascer castelos, exércitos, bosques e ninfetas pela onipotência de seu pensamento criador.

Como dom Quixote suscitava aventura, dulcineias e gigantes e como Deus imaginou o universo, ou melhor:

Os universos múltiplos que desconcertam a lógica e fazem que a mentira seja verdadeira e que a verdade seja mentira.

Deus sonha o mundo mais que o imagina.

Porque, finalmente, tudo se confirma, se reúne, converge, coincide: As imagens do mundo e as imagens inventadas por físicos, poetas e dormentes.

O GRANDE SOL ORIGINAL

Quase devemos parafrasear o Gênese ou o discurso de Petit Jean dos litigantes de Racine pra tentar uma explicação do supranormal dos esoteristas e dos universos paralelos: De fato, tudo começa com a criação do mundo.

No princípio foi a Luz, dizem as mitologias, e esse conceito foi reiterado não somente pelos cosmólogos contemporâneos, senão também pelos astrônomos, tais como George Antony Gamov e Roland Omnés.

Por luz, há de entender radiação eletromagnética sob forma de radiação térmica. Segundo se lê numa revista científica (Pessoalmente, não concedemos crédito a uma criação do universo e pensamos que é eterno e existiu sempre):

— Foi na noite sem fim uma bola de luz cuja sufocante reverberação se estendia em calor através de todo o espaço. A temperatura era da ordem de vários milhares de graus.
Se vos parece bem, chamemos a essa bola um sol.

Os fótons, ou grãos de luz, às vezes corpúsculos e ondas, emanando desse magma, tinham uma energia imensurável e, segundo opiniões, uma temperatura de 100 mil milhões de graus.

A energia dos fótons, — prossegue a revista — esses grãos de luz que estão associados a toda radiação eletromagnética, é tal que seu encontro (com as partículas elementares de hidrogênio e de hélio) produz um par partícula antipartícula».

É, de certo modo, uma explicação da criação do universo mediante o grande bangue original tão a gosto de Martin Ryle, de Alian Sandage e de G. A. Gamov.

Consequentemente, a luz, supostamente pré-original, engendra uma criação material: As partículas de natureza oposta: O próton-antipróton, o nêutron-antinêutron e o elétron-pósitron.

Partículas e antipartículas reagem entre si pra provocar uma transição de fase ao interior da radiação cósmica», significa que, de certo modo, se converterão em isômeras, no gênero muito aproximativo: Água e gelo.

Partículas e antipartículas, às vezes, se disseminarão e outras vezes (com maior frequência) se reagruparão no cosmo, de modo que matéria e antimatéria correm o risco de reconstituir a Luz original, o que resultaria numa dupla transmutação puramente negativa.

Afortunadamente, elementos dispersos na imensidão cósmica escapam a essas novas interações e constituirão mundos e antimundos, galáxias e antigaláxias.

O Grande Sol original de luz se metamorfoseou parcialmente em universo ao produzir, ao mesmo tempo, fantásticos campos radiativos.

Por estranho que possa parecer aos empíricos, a maioria dos físicos creem, de pés juntos, na existência da antimatéria e dos antimundos. Ou seja, num ou em universos paralelos.

O físico sueco Oscar Klein supõe um universo original já formado dum mundo e dum antimundo separados por um escudo protetor: O ambiplasma. O físico russo Sajarov e o estoniano Gustavo Naan também imaginam universos de matéria e de antimatéria parecidas mas inversas.

Por definição o antimundo seria constituído de antipartículas, opostas, provavelmente de modo simétrico, às partículas de nosso universo, o que equivaleria a dizer que esse antimundo poderia ser a imagem invertida do nosso.

O que entre nós é visível, espesso, impermeável, duro, luminoso, pesado, quente ou escuro, seria no antiuniverso, invisível, delgado, permeável, mole, escuro, leve, frio ou luminoso, etc.

A TRANSFERÊNCIA MUNDO-ANTIMUNDO

O Grande Sol, dessa vez original, esse Grande Cérebro primevo e total que continha em potência os universos, os seres e as coisas da criação pode ser, em certa medida, assimilado ao cérebro humano?

Os esoteristas, a quem a palavra de Hermes Trimegisto e dos grandes iniciados é uma garantia mais segura de labirinto que as hipóteses dos cientistas, admitem como postulado de fé que o que está acima é como o que está abaixo, que o que está em Deus está igualmente no mais ínfimo grão de areia.
Ademais, como o diz Ph. Lavastine: Herdamos Deus!

Nessa ótica o cérebro humano teria propriedades e poderes análogos àqueles do Grande Cérebro primevo. É certo que não sabemos utilizar esses poderes mas não há dúvida de que os possuímos.

Quando um homem está iluminado por uma crença intensa o milagre está a seu alcance: A mãe adivinha o perigo, o santo levita, caminha sobre a água, cura doenças consideradas incuráveis, o sábio descobre, o paralítico anda e o cego recupera a vista.

Não se diz que a fé pode mover montanha, entortar uma vara de metal?

Ao se relacionar, geralmente, o milagroso com a fé, se pode pensar, em forma de hipótese de trabalho, que fenômenos singulares nascidos no cérebro, engendram um universo antiparticular análogo ao que foi engendrado pela iluminação original.

Nessa condição o corpo físico do iluminado passaria dentro doutro mundo. Pensamos também no fenômeno de ubiquidade observado sobre as partículas que se colocam sobre órbitas mais excêntricas quando se lhes aporta um fluxo suplementar de energia.

Ao contrário, é admitido, em física nuclear, que partículas e antipartículas podem entrar em combinação, desaparecer como matéria e reaparecer como radiação eletromagnética. Quer dizer, em grande parte, como luz.

Em resumo: O vai-vem de nosso universo noutro (do mundo ao antimundo) estaria vinculado a uma espécie de transmutação de nossas partículas materiais constitutivas em antipartículas, se produzindo o fenômeno à nível da vida psíquica, a qual não é governada pelas leis do universo do consciente.

O agente eficiente do mecanismo e sua razão residiria numa zona desconhecida de nosso cérebro e teria como catalisador, senão como determinante, um potencial de energia-fé.

A transferência de mundo a antimundo assegurada pelo repetidor luz no jogo dos físicos, sempre foi assimilada, pelos esoteristas, à iluminação.

Coincidência estranha ou labirinto empírico?

PARA DESCOBRIR UM NOVO MUNDO

Pra não dar pábulo à controvérsia dos cientistas sabichões, frisamos, novamente, que essa tese é um jogo intelectual baseado em elementos tomados emprestados do jogo incerto dos físicos.

O homem, curioso por natureza, tenta explicar o que a razão dos lógicos não pode.

As hipóteses de George Gamov permitem certa aproximação à percepção dos universos paralelos mas não a compreensão dos fenômenos mais freqüentes tais como: Visão, alucinação, levitação, milagre, etc., onde o inverossímil não abandona mais que parcialmente nosso universo cotidiano.

Filipe Lavastine se compraz em dizer que o homem é sábio na medida em que é saboroso, sápido (do latim, sápidas).
Muito bem, os latinos, pra designar um imbecil diziam que era insapidus (insípido).

O que é gráfico pertence à mesma linguagem do significado e o imaginário tem mil vezes mais significado e é mais certo que o estudo demonstrado, comprovado, controlado pelos irrisórios critérios científicos.

A dança é a maior das artes porque é imagem e continuidade espaço-tempo.

Mas, apesar dos cientistas, o homem tem necessidade de sonhar pra se realizar plenamente num universo íntimo, imaginário.

Se realizar é um neologismo significativo: Desenvolver toda sua medida, dar corpo a suas imagens-desejos, a sua ambição, se converter no que se deseja ser de grande ou de sublime e não o que se é que, em geral, se considera pequeno, ridículo e injusto.

Sem o imaginário a aventura humana seria inviável.

Impossível se olhar num espelho, ver com a verdade do objetivo fotográfico, a esposa, os filhos, a casa, julgar a própria obra, o comportamento, a situação, o porvir, a saúde, a perspectiva de vida, etc., sem misturar nele a esperança, a inteligência e a qualidade.

Impossível não imaginar, esperar um manhã melhor, um êxito, um futuro agradável e tranquilizador. Senão, seria a desesperança, quiçá o suicídio.

O homem não pode aceitar a vida estritamente presente e estancada.O imaginário pertence à essência da vida, a seu dinamismo e à evolução natural.O ritmo, o vivo, estão, fundamentalmente, em previsão imaginária do instante seguinte.

O presente é atual, o futuro é sempre aleatório. Poderíamos viver sem o futuro?

Com esse estado de espírito o mecânico sonha ser Ford ou Bugatti. A balconista sonha ser estrela. O infradotado, dono do mundo. Sem esses sonhos a vida se converteria num pesadelo. Com esses sonhos foram conquistados reinos, estabelecidos impérios, descobertos mundos. Graças a ele Schliemann desenterrou Tróia, Cristóvão Colombo chegou à América e doutor Cabrera encontrou as fantásticas pedras de Ica.

Sua necessidade é tão vital que certos indivíduos chegam até a substituir a realidade cotidiana pela irrealidade imaginada.
Foi o caso de todos os dom-quixotes da história e dos aventureiros que se perderam nas selvas virgens da Amazônia ou nos bosques insólitos da busca ao Graal.

O IMAGINÁRIO É MAIS NECESSÁRIO QUE A CIÊNCIA

Todo homem sonha em se converter no que não é, em adquirir o que mais lhe falta.

Sua individualidade é tripla: O que são, o que creem ser, o que quiseram ser, mas, de fato, sua aventura humana evolui sempre em dois planos: Algumas vezes na irrealidade cotidiana (trabalho, metrô, aperitivo, Mao, macio, cama, visão benévola do eu).

Outras vezes na irrealidade do imaginário (sonhos, imagens-desejos, aspirações políticas).

Porque o que se chama realidade cotidiana é uma farsa tanto no plano físico como no plano mental.

A realidade das cores, das formas, dos odores, dos sons, é, como se sabe, função de nossa percepção precária e de nossa interpretação presumida. O daltônico não distingue o vermelho do verde; Brigitte Bardot é um cânone de beleza ou uma mulherzinha bem formada; tal odor é agradável a A., nauseabundo a B. e o jaz, segundo os critérios, é uma música ou um barafunda de decibéis.

Assim mesmo o homem gosta de se julgar formoso, inteligente e bom, mesmo sendo horrível, tolo e maligno. Em resumo, vivemos numa irrealidade cotidiana que nos comprazemos em qualificar de realidade.

Na irrealidade do imaginário ( se pode dizer a irrealidade do imaginário porque o imaginativo é tão real (e irreal) como o cotidiano), se nos atrevemos a empregar este pleonasmo, ou irrealidade do interior, participa outro universo, ideal com a maior frequência (de pesadelo, às vezes), onde nos deleitamos porque cremos em todas suas peças ou porque corresponde a nossas imagens-desejos.

Ninguém melhor que o admirável Cervantes soube dar a imagem vibrante da irrealidade plural e dos universos particulares por ela engendrados.

DOM QUIXOTE E SANCHO PANÇA
Por uma campina muito real, há alguns séculos, cavalgava ao passo do mais lamentável cavalo do mundo o maior dos cavaleiros errantes que nasceu sob o céu da Espanha: Dom Quixote da Mancha.

Nutrido com as aventuras de Reinaldo de Montaubano, de Amadis de Gaula, de Palmerim da Inglaterra, de dom Galaor, e dos Cavaleiros da Távola Redonda, dom Quixote não punha em dúvida, nem por um instante, que seria seu igual, senão superior.

Era, em seu pensamento, uma verdade que surgia da evidência.
Sob esse ponto de vista seu pobre e esquelético rocim, Rocinante, era o mais fogoso dos cavalos de batalha, o digno Bucéfalo do Alexandre dos paladinos.

Outra evidência pra dom Quixote: Nalguma parte, no final daquele caminho empoeirado, queimado pelo sol do meio-dia, ia encontrar o Bosque pleno de aventura e, provavelmente, uma bela jovem de longo cabelo dourado, prisioneira num torreão.

Um príncipe malvado a perseguia e a loura heroína, inclinada sobre as ameias da alta torre, o chamava, a ele, dom Quixote da Mancha, com toda a força de seu desespero.

Na grande instabilidade e flutuação da Lua, do Sol e dos astros, essa Verdade, fruto da ilusão, habitava no bom cavaleiro e o confortava em sua missão.

Mais vale dizer de imediato que dom Quixote vivia, digamos, 60% no universo cotidiano, chamado real: O caminho era, sem dúvida, um caminho, o sol era ardente, a couraça pesada e embaraçosa. E 40% no universo imaginário dos lances de cavalaria.

A seu lado Sancho Pança representava a multidão, o mundo comum. Definitivamente: 90% de realidade e 10% de imaginário.

Porque, de qualquer maneira, o bom rústico tinha, também, suas imagens-desejos, sua imaginação!

Não lhe havia prometido dom Quixote lhe dar uma ilha pra governar? E quando havia oportunidade lhe recordava a promessa.

Pra acompanhar o Louco sublime não lhe era, também, necessário, sua dose, sua pitada de loucura e de esperança nalgum ideal?

A DONZELA E OS MOINHOS DE VENTO
Eis que Sancho Pança, pensando que já passava do meio-dia e que um almoço lhe cairia muito bem, percebeu, na lonjura, trinta ou quarenta moinhos.

— Senhor, — exclamou — lá vejo moinhos de vento!
E Sancho Pança não mentia:
— Vejas perfeitamente, com teus olhos, ali, no final do caminho, autênticos moinhos de vento.

Dom Quixote ficou, então, imerso no mais profundo de suas quiméricas aventuras: A donzela da alta torre lhe suplica que a libere. Ouve suas chamadas e já não está, senão muito vagamente, a caminho da Mancha. Em resumo, 70% dele está no bosque da aventura e somente 30% cavalga com Sancho Pança.

Ante as exclamações de seu escudeiro, alça os olhos até o horizonte e protesta com veemência:

— Sofres alucinação, meu pobre Sancho! O que crês que são moinhos de vento são, nem mais nem menos, gigantes. Gigantes que se querem me desviar de minha aventura mas não o conseguirão.

E dom Quixote não mente. Vê, de fato, gigantes. Vê seus corpos maciços, seus largos braços de 2 léguas (8km) de largura.
De fato, Sancho Pança, pleno do bom senso dos ignorantes, vivia, quase permanentemente, em sua irrealidade cotidiana, comum, enquanto seu amo, em transe como Lugue, Gilgamés, Sigurde e Lancelote do Lago, evoluía com a máxima freqüência nas paragens doutro universo sem, por isso, abandonar fisicamente o dos homens.

No século XIII, quando um cavaleiro da Távola Redonda saía buscando aventura ou o Graal, perambulava 50% num mundo geográfico que era a Pequena ou a Grã-Bretanha, e o restante de seu universo estava em seu pensamento, em sua imaginação e em sua fé no encanto que lhe permitiria penetrar no Bosque perigoso.

QUANDO O CRENTE VACILA EM SUA FÉ...

Quando o potencial de sua irrealidade do imaginário ficava maior que o da irrealidade cotidiana, se produzia um fenômeno análogo ao das supernovas: Esse potencial se vertia no cotidiano, provocando substituições de lugar, de tempo e de acontecimento.

Provavelmente, com estalido de calor e de luz: O cavaleiro se convertia em iluminado. Entrava no Bosque das aventuras, via o castelo misterioso, o ponte invisível. Podia cavalgar sobre a água do lago ou penetrar por ele, atravessar muros grossos, realizar proezas inauditas e, quiçá, perceber o Graal.

Se produziam, então, efeitos físicos que teriam sido desconcertantes na irrealidade cotidiana: Levitação, deslocamento no espaço-tempo, vidência, permeabilidade da matéria, etc.

Talvez houvesse ubiquidade, ao permanecer o cavaleiro completamente prisioneiro de seu universo cotidiano e penetrando totalmente (É o caso das partículas singulares descritas pelo professor Bernard d'Espagnat, do Colégio de França) ou parcialmente nesse mundo antiparticular, cuja existência é presumida e natureza desconhecida.Isso é o que imagina J.-B. Hasted com seu universo que é uma função de ondas únicas onde poderiam existir numerosas versões de nós mesmos.

Esse fenômeno, que poderia ser produzido sem ubiquidade, daria explicação às desaparições totalmente incompreensíveis relatadas nas mitologias, nas lendas e até na atualidade do século XX, e também às faculdades psi de J.-P. Girard.

Explicaria também a invisibilidade, a imponderabilidade, o passo do + ao –, do criado conhecido ao nada imaginário, a perda das qualidades inerentes à natureza do cotidiano, por exemplo, a anulação da gravidade que desemboca na levitação das que foram testemunhas pessoas cuja boa-fé é difícil negar.

É possível esse tipo de milagre?

As tentativas de explicação não são mais que hipótese fantásticas e vãs, ou mais se aproximam, em certos aspectos, a uma verdade difícil de crer e impossível de delimitar?

Seja o que for, tais especulações, que irritam os racionalistas, são sempre bem acolhidas pelos investigadores e são benéficas àqueles que repelem os tanteios, o ostracismo e os malefícios duma ciência satânica cujo resultado mais claro no final deste século XX foi o de mergulhar o mundo na insegurança, medo e desespero.

Cada vez mais o homem honrado repudia essa ciência que é amoral, perigosa, sacrílega e fastidiosa. O sonho, a poesia e a irrealidade são mais necessários ao humano que os foguetes espaciais, que o crânio do australopiteco e a bomba atômica.

O HOMEM, O ERRO E O IMAGINÁRIO

O homem é, por excelência, um animal dotado de razão, de inteligência particularmente desenvolvida. Em consequência, essa inteligência é chamada ao guiar, a fixar sua escolha e a governar seu destino, é inelutável, fatal, ainda que falível.

O homem é, de todas as criaturas, a que possui o máximo de capacidade ao erro e, ao romper com o cósmico, se converteu num monstro fora da Natureza.

Edgar Morin diz que ao adquirir um super cérebro, ao se converter em faber (fabricante), socius (sociável), loquens (loquaz), o homem armazena muito mais elemento de labirinto do que necessita imediatamente.

Esse caudal supérfluo perturba suas relações diretas com a Natureza até o ponto em que é, então, presa de incertezas, de perplexidades que modificam as mensagens naturais recebidas por seu cérebro.

O sintoma de estresse mais evidente é a angústia.
Antes de ser dotado de seu super cérebro o homem era caçador, só caçador, dedicado à conquista duma presa.

Quando adquiriu mais inteligência se converteu num indivíduo mais complexo, sabendo que em sua caça, podia ser vencedor ou vencido, consumidor ou consumido, indene ou ferido.

Tentou, por conseguinte, programar o melhor possível sua ação e foi, então, quando se produziu a possibilidade de erro.

Essa consciência de seu estado e essa presciência dum porvir possivelmente dramático, desencadeou no homem da primeira era todo um processo de estados emocionais onde brotaram o riso, o desespero, a esperança, o medo, o delírio ou a poesia com, afinal de conta, prática de salvaguarda que se converteram na magia, na religião, determinando a idéia de Deus.

O imaginário se tornou, então, o motor da atividade humana em todas as direções da arte, da indústria, do comércio e da sociedade.

A imaginação é o maravilhoso resguardo do homem inteligente.
As mitologias e as religiões, escreveu Morin, florescerão sobre a hiper complexidade de seus dez mil milhões de neurônios e de 1014 dos sistemas e combinações possíveis pra seu computador celular.

O risco de erro ficou infinitamente provável tanto ao computador biológico como ao homem. Nossa civilização e nossa evolução se encontram, por esse motivo, automaticamente falseadas já que os biólogos demonstraram que os azares do ADN e do ARN as condicionam fundamentalmente.

Em resumo, o super cérebro do homem o desconecta das leis naturais e lhe devolve ao ponto zero do verdadeiro labirinto.

Certo é que o homem sábio, aparentemente, triunfou, posto que dominou a Natureza, mas é uma vitória pírrica da qual não se recuperará.

A autonomia que conquistou está, quiçá, na linha secreta e querida de seu destino. Nesse sentido é uma criatura privilegiada, o que, a muitos, pode parecer evidente.

Então não haveria azar, senão relações aleatórias que desembocam no indeterminismo ou, talvez, também azares providenciais, necessários e, finalmente, calculados pela inteligência superior.

Nesse caso o destino do homem estaria determinado. Sua imaginação e sua atração, até os erros úteis, seriam os rasgos característicos de sua evolução.

O TEMPO, O EU E A IDADE ÁUREA
Se tem a tendência a considerar que o sonho pertence ao imaginário, por conseguinte à mentira, e que somente o real da existência desperta tem um valor positivo. É chegar prematuramente a uma conclusão!

Deciframos o sonho com a chave e o linguagem do despertar, o qual lhe da uma carência de sentido porque estamos condicionados por nossas evidências que nos encerram num universo restringido e em conceitos errôneos.

Há que deslocar as evidências e compreender que o corpo vive, indubitavelmente, num universo tridimensional, mas não nosso cérebro, nem nosso pensamento, nem nossos sentimentos, nem nossas faculdades intelectuais e psíquicas.

Ao constituir tudo isso nosso eu, cabe perguntar como esse eu pode existir ao mesmo tempo em vários universos!

É um pequeno problema que os biólogos, os filósofos e os físicos gostam de questionar, embora nada mais façam pra afinar sua percepção e se impregnar da humildade luminosa da ignorância.

Nosso eu rompe as barreiras concebíveis do tempo, posto que nosso legado genético nos prolonga no passado, quiçá até a origem do mundo.

Ou, talvez, até aquela Idade Áurea da qual conservamos o conceito-lembrança, mito ou imagem-desejo, evocando um tempo ideal, o do sonho, da não inteligência, o tempo fetal da humanidade num universo no qual tudo era possível: Papai Noel, a imortalidade, a ressurreição, a aventura, o vôo no ar e no oceano, o Bosque perigoso e o êxtase ilimitado.

Era a Idade Áurea o tempo precedente ao advento da humanidade, ou melhor, esse Tempo do Sonho que habita, ainda, entre os aborígines australianos e no qual, bem sopesado, está ausente o eu do presente?

O PROBLEMA DA GARRAFA
O eu é rechaçado a cada segundo de nossa vida temporal e de nosso corpo físico.

Damos um passo e já não somos o mesmo: Envelhecido nalgumas frações de segundo e, ademais, quatro ou cinco de nossas células morreram enquanto outras três ou quatro foram regeneradas.

Já não estamos no mesmo lugar, nem no mesmo tempo, nem na mesma roupa. Nosso sangue ficou mais pesado ou se enriqueceu. Nosso cabelo cresceu... Em resumo, nossos dois eu têm uma identidade relativa mas não absoluta!

Inventamos nosso eu como inventamos nossos sonhos e a realidade do cotidiano. Tudo o que, podemos pensar, é imaginação de nosso cérebro.

No entanto é necessário imaginar certa identidade entre o eu que dura 1/10.000 de segundo e o outro que retouça com o tempo, com o desgaste e com o espaço, como um verdadeiro transformista que é!

Em definitivo, esse eu existe e não existe, do mesmo modo que o cotidiano é uma realidade que se admite, a priori, e um fantasma quando se lhe analisa em profundidade. E como o elétron é partícula e onda ao mesmo tempo.

A garrafa que está sobre a mesa também pode servir ao jogo da incerteza, do existente e do inexistente. A vês perfeitamente? Sim!E isso é que é extraordinário!

Como diria o sábio Cosinus, do bom Christophe:
— Não podes a ver. Não a deverias ver. É contrário às leis da física.

Esses argumentos e esses novos modos de pensar constituem o jogo intelectual e rico em prolongamento dos sábios da universidade de Princetão, em Estados Unidos. O professor Raymond Ruyer, da universidade de Nancy, apresentou em seu livro: A gnose de Princetão, Edições Fayard, essa ciência que exige, para ser compreendida, certa inversão de nossos esquemas mentais habituais que desconcerta e encarrilha até novas perspectivas.

Tentemos explicar: Um menino poderia dizer:
— A garrafa está sobre a mesa e não a verias se fosse noite:
Consequentemente a vês porque está iluminada e emite série de fótons ou grãos de luz que e lhe dão forma e cor.

Passemos à cor. Aproximadamente 5.000Å, o que nos levaria a novas especulações, e nos atenhamos à forma que é captada pelo olho e transmitida ao cérebro.

Porque é o cérebro quem registra a imagem e não esse órgão complexo mas robótico que é o olho. Mas o cérebro diz Não! à imagem enviada pelo olho.
Diz: Nada vejo, em absoluto, porque não sou sensível às ondas fotônicas.

(Robert Charroux - CONTINUA)

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