20 de maio de 2013

ARQUIVOS DE OUTROS MUNDOS XVI


Capítulo XIV
O FEITICEIRO DA CIDADE DE LUZ

Segundo um conto núbio recopilado por Leo Frobenius, o velho do deserto disse: Se compreenderes este conto sonharás muito; Se o imaginares já estarás no Paraíso; O Senhor que está em mim saúda ao Senhor que está em ti.


Essa história é verdadeira porque foi narrada pelo Velho do deserto, que a ouviu da voz das pedras que antanho falavam. Naquele tempo muito antigo, quiçá antes, quiçá depois do dilúvio que lavou a Terra de suas manchas, os deuses habitavam o céu, o fogo, a água e o grande betilo que, agora, jaz no fundo do lago do país de Kuch.

Mas naquele tempo tão remoto o betilo era branco como a alma e o seio duma virgem. Marcava o centro da cidade de Luz e se dizia que sua pedra aurora e a cidade haviam baixado do céu vivas, com os habitantes, o Templo, as casas, o lago, os prados e os bosques.

E com as muralhas, cuja altura ultrapassava os poderosas picos que rodeavam o vale. Umas muralhas altas, largas, pesadas e espessas, sem porta nem janela, sem abertura pela que pudesse passar o menor rato, até o ponto onde ninguém podia entrar nem sair do reino de Luz. Porque alguns disseram que Luz era mais um reino que uma cidade, cujas muralhas sem abertura encerravam uma espécie de paraíso onde os habitantes não conheciam a velhice, nem a doença nem a morte, salvo se desejassem, se precipitando das muralhas ao sombrio abismo sem fundo, como o mar, do universo exterior. A água pura procedente duma torrente que descia da montanha entrava e saía subterraneamente da cidade pra preservar o isolamento sagrado. As árvores proporcionavam frutos deliciosos e um maná mais excelente ainda. Os pastos herbários e gordurosos nutriam um formoso gado, as plantações produziam o melhor trigo, as mais bonitas cevadas e no bosque cresciam o terebinto, o ébano e a bosuélia que dá o incenso macho, agradável à divindade.

Aparentemente os habitantes dessa cidade fora do tempo viviam perfeitamente felizes e sem preocupação, amparados pelas assombrosas muralhas e pela eternidade do Bom Deus. Todos, exceto um: O rei, cujo reino nunca excedia das dez a quinze rondas do grande sol, às vezes um pouco menos, às vezes um pouco mais. O Rei era o único ser mortal da cidade de Luz e seu destino estava fixado pela marcha dos astros.

Quando haviam anunciado o fim do reinado, com respeito mas inexoravelmente, o soberano era conduzido à Muralha ocidental e se atirava ao universo onde morria.Os sete sacerdotes do templo velavam pela estrita aplicação do rito. Em cada noite, desde que se levantava a Vênus vesperal, tinham a missão sagrada de seguir as disposições das estrelas e seu curso no céu. Certa conjunção que se produzia com a Lua era a sinal infalível de que o Rei devia morrer. Mas pra seguir a vagabundagem das estrelas era necessário estar muito atento e os sacerdotes jamais as perdiam de vista, nem um instante, porque se falhassem perderiam a ordenagem da configuração e não poderiam se reorientar.

De fato, os sacerdotes constituíam um corpo religioso tão poderoso, senão mais, que o poder real. Assim, à imagem do cosmo, Luz tinha a sua cabeça uma trindade a cujo cargo estava sua vida física e psíquica:
— O Rei, eleito por Deus.
— Os sete Sacerdotes dedicados à observação cósmica e à manutenção do Grande Fogo sagrado que ardia sobre uma alta colina.
— E a Donzela do Labirinto, aura da cidade, representativa de sua pureza, de sua imperecibilidade, símbolo também de sua perenidade.

Desde tempos imemoriais seu papel consistia, a cada noite, em esparramar o leite da Vaca sagrada ao redor do menir branco, o betilo, que se elevava entre o Grande Fogo e a entrada do Templo. Então a pedra divina falava ou emitia sons melodiosos que os sacerdotes interpretavam como uma linguagem, aprovação ou reprimenda, segundo as notas serem graves ou agudas.

Tão verdade como Deus é Deus e que o espírito é seu profeta, naquele tempo muito antigo os deuses falavam pela pedra, pelas estrelas, pela boca dos sacerdotes e pela graça da Donzela do Labirinto que vertia o leite sagrado em torno do betilo imaculado.
A Donzela ia sempre velada, porque ninguém devia ver seu rosto, e um unicórnio vivia em sua companhia.

Tinham seu retiro no fundo do Labirinto, espécie de bosque de coluna, constelado de clareira, que constituía um verdadeiro Dédalo onde somente a Donzela sabia se orientar. Quer dizer que pra chegar a seu santuário, a sua câmara secreta, era necessário atravessar o bosque de coluna, tão vasto que quando se franquearam os primeiros troncos, contornado as primeiras colunas, dando a volta a outras, já não se sabia aonde se dirigir.


No centro do palácio estava o Divã de Opala, grande sala circular ricamente decorada de tapete, de tapeçaria, de sofá e de escabelo onde o Rei gostava de receber seus amigos e os narradores do povo, porque na cidade tão cerrada, tão separada dos outros mundos, o conto era a diversão mais apreciada e mais necessária pra fazer esquecer a clausura dourada. O Rei vivia, pois, repleto mas pensando que, inevitavelmente, um dia os sacerdotes viriam lhe dizer:
— Vimos os sinais no céu e o betilo falou. Tens de morrer!

E sabia que naquele dia se imolaria a Vaca sagrada, se apagariam os fogos do Templo, salvo aquele que ardia no alto da colina, o Grande Fogo que nunca devia se apagar. Sabia que todos os habitantes de Luz alagariam as brasas no lar, cerrariam as portas, ocultariam as janelas. Os homens cortariam a barba e as mulheres fariam oferenda da cabeleira.

Então teria chegado o momento pra ele de ir à outra vida que se conhecia, que se havia descrito: Uma vida que transcorria num reino subterrâneo, num país todo verde onde o Rei seria rei e seguiria reinando eternamente. Mas, de fato, ninguém voltara de lá pra dizer se era verdade! Em resumo, o Rei tinha medo.

Um dia chegou uma estranha notícia: Sobre o lago dos jardins, procedente do céu, pousara uma espécie de pássaro grande que pôs um ovo ao mesmo tempo casca e berço. O pássaro levantou o voo e a casca-berço ficou encalhada sobre a ribeira do lago. Quando foi aberta, se viu, dentro um menininho que levava na frente uma mancha clara em forma de estrela. Então avisaram aos sacerdotes e ao Rei.

Os sacerdotes haviam decidido imediatamente que aquele menino vindo doutra parte não podia senão perturbar a vida da cidade, que era um indesejável e que devia morrer.
— Luz somente pode perdurar — afirmavam — se a Lei é estritamente observada! As estrelas, as montanhas, os bosques e os animais obedecem a essa lei e assim tudo vai bem.

Todos aqueles que estavam presentes, foram então testemunhas dum feito extraordinário: O menino, muito pequeno, tinha, no entanto, um dom prodigioso: Falava como uma pessoa maior e se dirigindo ao Rei, disse:
— Équidnos é meu nome e acabei de nascer neste mundo. Teus sacerdotes são cruéis. Por que queres que eu morra?
— Porque é a Lei. Aqui, ninguém deve entrar, ninguém deve sair, senão pra morrer. Ademais, o destino que te reservamos será logo o meu, quiçá amanhã.

O menino replicou em voz muito baixa pra que ao redor não pudessem ouvir:
— Ó, Rei, sei que tua hora nem a minha chegaram. Enquanto eu estiver em tua cidade nada terás a temer por tua vida.

O Rei estava assombrado ante este discurso procedente duma criaturinha que, a princípio, não deveria falar. Tudo o que o céu decretava, tudo o que o betilo decidia, era anunciado pelos sacerdotes, mas o acontecimento tivera lugar em dia, e as configurações celestes não puderam pronunciar algum tipo de veredito e a pedra sagrada não foi consultada. Um mensageiro viera do céu, convinha lhe fazer honra e o receber com nobre hospitalidade! Ficou, finalmente, convencionado que se deixaria o menino viver e que seria julgado mais tarde.

Équidnos cresceu, cresceu tão bem que ao cabo dalguns dias, dalgumas semanas, as tradições não são rigorosas neste sentido, se converteu num garoto, depois num adolescente e, finalmente, num homem muito belo, com cabelo louro, olhos azuis e um dom de palavra sem cessar mais prodigioso. Falava, e tudo o que dizia era como uma linguagem divina. Tudo o que contava era tão apaixonante que o povo parava e não podia ir embora, não podiam evitar o escutar.

O Rei estava subjugado mais que todo mundo e chegava a esquecer que, um dia, os Sacerdotes viriam a lhe anunciar a data de seu óbito.

Équidnos sabia muito sobre o porvir e tudo do passado, desde os tempos originais que dizia ser uma luz deslumbrante, até o tempo dos primeiros homens e das primeiras cidades.

Por causa desse dom o Rei o queria e ia a escutar cada noite, no Divã de Opala, as histórias cativantes que se situavam em épocas e em lugares dos quais não se tinha idéia em Luz. Escutava, escutava e dormia com um estranho sonho já que, dormindo, continuava ouvindo o narrador e sonhava com aventuras que excitavam seu prazer, surpresa e admiração.

Despertava na aurora mas esperava a noite com impaciência porque Équidnos era o narrador maravilhoso do qual já não podia prescindir. Era como o ópio, como o haxixe.

Todo mundo em Luz esteve logo a par do acontecimento e se intrigava pra conseguir o favor de sonhar um conto no Divã de Opala.
Desde que Équidnos falava, era, pra quem escutava, como os primeiros tragos de haxixe um doce bem-estar e as coisas em torno ficavam enfumaçadas em imagens embaçadas.

Équidnos seguia falando e quem escutava era como o fumante que, depois de dez pipas de haxixe de ópio perde a noção da realidade mas pode viver intensamente o que lhe contam. E logo, como ao fumar trinta pipas de haxixe, era o êxtase, o embevecimento. A Corte, os convidados, os servidores, todos escutavam, entendiam, compreendiam e viviam os contos. Participavam, se convertiam em heróis num grande sonho desperto. Porque de fato, dormiam muito depressa.

A fama de Équidnos era tão grande que irradiava fora do Divã, como as ondas da água em torno do salto do peixe, como as ondas do céu em torno do trovão, tanto era assim que através do bosque do Labirinto chegou ao santuário da Donzela do Unicórnio...
Como um estremecimento de asas, como um convite, chamado e atração de ímã.

E, numa noite, o que devia acontecer aconteceu: A Donzela acudiu ao Divã de Opala. Naquela noite Équidnos esteve mais prodigioso, mais assombroso, mais mirífico, mais encantador que nunca. A estrela de ouro de sua fronte cintilava como a primeira estrela que desperta no despontar da noite. Contou histórias dos mares longínquos, de amor e de jardins onde chovem pétalas de rosa e de amendoeira, onde fontes de água sussurram em ilhas perfumadas de ilanguilã, onde dançam princesas de sonho e jovens deuses de rosto resplandecente. E quando falava ocorria que suas palavras mais fascinantes, após vibrar no ar, se materializavam em flores ou em pedras preciosas cambiantes que caíam como uma fina chuva no Divã de opala. E todo mundo ficava alienado de embevecimento como o fumante de ópio ou de haxixe. E logo todos dormiam. Todo mundo, exceto Équidnos, todo mundo exceto a Donzela que devorava com os olhos o narrador. E o narrador devorava da Donzela aquilo que podia ver.

Via muito pouco dela porque, era a Lei, a jovem estava velada e seus véus caíam até seus tornozelos e os pés da Donzela eram a única parte de sua carne que se deixava conhecer. E, na verdade, eram maravilhas da criação, amassados em mel de abelha alimentada com néctar de acácia, cinzelados como jóias espanholas, pequenos, delgados, empenados, com dedos largos e finos, de unhas carmesins como pétalas de rosa. E, numa noite, quando narrava os olhando com amor, a Donzela perguntara, em voz muito baixa pra não perturbar os dormentes:
— Por que olhas meus pés?
— Porque, depois do próprio Deus, expresso na criação, são as coisas mais perfeitas que pode contemplar um olho humano. É também a única coisa adoravelmente terrena que conheço de ti. És bela, imagino, tenho certeza, mas teus olhos, boca, cabelo, tudo o que és, pertence ao sagrado, ao inacessível. Somente te une à Terra o que vejo que te leva e faz dançar teu corpo: Teus pés miúdos que são tu e tua realidade terrena sem tabu. A quem é permitido adorar.

E enquanto dizia isso Équidnos viu que a Donzela levantava suavemente seus véus. Procedente do longínquo confim do Labirinto o bramido furioso do Unicórnio repercutiu no bosque de coluna, mas ele nem ela prestaram atenção. Se embriagava a imaginando inteira. Ela o olhava intensamente, o comendo com os olhos. Em fim ela murmurou:
— Saberás que meu nome é Iona. Tudo o que dizes é, pra mim, cântico de abelha, de primavera e música celestial. É necessário que sigas falando porque estou enamorada de ti.

Deixou cair os véus quanto despontou a aurora e partiu ao labirinto onde sabia se orientar muito bem, sem se extraviar.
O Rei despertou e disse:
— É dia. Urge. É tarde! É tempo de cumprir nossa missão.

E todo mundo despertou. Todos ficaram atônitos ao ver o solo recoberto de pedras preciosas e todos partiram até sua ocupação mas ninguém viu nem ouviu o que foi dito entre Équidnos e a Donzela.

Desde então, todas as noites, depois do dever de seu cargo do betilo, a Donzela acudiu ao Divã de Opala pra escutar ao narrador.
E a cada noite, também, ela suspendia um pouco mais o véu e era a recompensa de Équidnos, mas nunca se desvelou totalmente.
Seu mútuo amor se reforçava, se exaltava dia a dia, noite a noite, conto a conto.

A estrela na frente de Équidnos se fazia cada vez mais luminosa, e palpitava como um coração. De fato, era o próprio mistério de sua natureza donde extraía, como duma mina inesgotável, a suntuosa matéria de sua narrativa. A beleza de Iona acrescentava as grinaldas de sua magia. No entanto ambos sentiam uma surda angústia ante o pensamento de que, um dia, fatalmente, quando o Rei morresse, seu idílio terminaria.
— Os sacerdotes viram os sinais no céu? — Perguntava Équidnos com freqüência.
— Não! Prosseguem com suas observações. Nenhuma sinal há aparecido, ainda, e o betilo canta grave e doce.
— Então, não há que esperar mais tempo pra salvar nosso amor e salvar ao Rei. Sabes que, por nossa culpa, Luz está condenada a desaparecer?
— Me o figuro. — Suspirou Iona.
— Sabes que, além das muralhas, se estende um reino sem fronteira e onde se vive o tempo suficiente pra amar sem temor e realizar os contos que eu relato, pela noite, no Divã de Opala? E é tão maravilhoso viver os contos, incluso se ao final, longínquo, te asseguro, devemos sumir no nada ou prosseguir a aventura humana no outro mundo sob a terra. E, ademais, não temos escolha.

Équidnos lhe colheu ternamente as mãos e, descendo a voz pra ser ouvido só por ela, expôs minuciosamente seu plano.
No dia seguinte, após efetuar a oferenda do leite em torno ao betilo, a Donzela se dirigiu aonde estavam os sacerdotes e lhes disse:
— Sois os Vigilantes, olhais as estrelas e sabeis muito porque lereis no grande livro do Céu que é a mais bela criação dos deuses.

Os sacerdotes responderam:
— É a coisa mais bela que os deuses fizeram. O Céu e o betilo nos ensinam tudo.
— Não. Não tudo! — Disse Iona — Équidnos revela segredos que deveríeis conhecer.
— És sacrílega! — Disseram os sacerdotes — Um narrador não pode dizer mais que os deuses que fizeram os homens, as mulheres, a Natureza, o universo e o Céu.
— Équidnos é um enviado do céu. Quando fala, pela graça do Céu, suas palavras se convertem em música, flor ou pedra preciosa. Deveríeis lhe escutar.
— És sacrílega! — Repetiram de novo os sacerdotes.
Mas Iona se obstinou:
— Falais de modo pouco sensato. Quem não escutou não tem o direito de se pronunciar. Não podeis saber se Équidnos é um enviado de Deus e deveis esclarecer esse ponto!


Advogou tão bem a causa secreta que trouxera ao Templo que, finalmente, os sacerdotes, vacilantes, acederam a sua petição:
— Pois bem, assim seja. Escutaremos o narrador e responderemos a sua pergunta. O que foi dito foi feito: Na noite os sete sacerdotes do Templo, numa decisão totalmente excepcional, foram a se misturar aos ouvintes do Divã de Opala.

Équidnos disse coisas tão maravilhosas como de costume, e desde os primeiros instantes, o Rei, os assistentes, os sacerdotes, os servidores, se sentiram invadidos por um profundo bem-estar que lhes penetrava como a fumaça de ópio das primeiras pipas. Cada um continha seu alento, as serventes deixavam de servir e as aves noturnas suspendiam seus trinos nos jardins.

E as palavras de Équidnos, quando se exaltava, se convertiam em chuva de esmeralda e rubi. Falava do que fora e do que seria mais tarde, de cavalgadas nos bosques perigosos, dum maravilhoso jarro adornado que era necessário buscar, de muros que, repentinamente, se entreabriam pra deixar penetrar a universos fabulosos. Contava as façanhas épicas de cavaleiros que eram formosos, bravos, leais, que se sacrificavam pelo mundo ou por uma dama mas que, também, buscavam querela pela beleza dum bom morrer.

Jamais se havia escutado algo parecido na cidade de Luz e, por outro lado, essas aventuras e proezas não haviam, ainda, sucedido e existiam somente em traços pontilhados nos arcanos do futuro. O Rei, cortesão, sacerdotes, convidados, serventes, escutavam num estado segundo, como se acha o fumante à décima pipa de ópio.

Équidnos continuava contando. Falava da fada dum lago, de reinos submersos nos oceanos, enterrados em montanhas, e resultava, a cada vez, mais encantador, mais embriagador àqueles que escutavam e que, rapidamente, se encontravam como o fumante à vigésima pipa.

E todos dormiam e sonhavam o conto. No dia seguinte os sacerdotes se interrogaram:
— Que resposta vamos dar à Donzela?
— Ah! — Disse um deles — Talvez não escutamos o bastante. É difícil se pronunciar. Certamente, esse narrador é excelente e nos faz penetrar num universo estranho. Mas que seja um enviado de Deus, como pretende a Donzela, é duvidoso!
— Seria necessário o escutar uma segunda vez! — Sugeriu outro sacerdote.

E na noite regressaram todos ao Divã. Depois, voltaram em terceira vez, quarta vez, sétima vez e, finalmente, conquistados e subjugados, enfeitiçados como o Rei, convidados, serventes, todo mundo, apenas caía a noite, desde que aparecia no poente a luz verde de Vênus esqueciam sua missão e iam ao Divã de Opala pra ouvir Équidnos e suas palavras mágicas que viravam ouro e pedras preciosas e faziam nascer no espaço flores e arabescos, cores e mundos fluidos, reinos e mulheres oníricas.

Mas, nesse momento, já não espreitavam o céu nem Iona ia interpretar a palavra do deus que habitava o betilo. Passaram as noites e as semanas com a rapidez silenciosa das horas nas nuvens dos dias felizes. Um dia, ao se encontrar com os sacerdotes, Iona lhes perguntou:
— Então o que pensais, agora, de Équidnos?

O Grande Sacerdote replicou:
— É um narrador prodigioso, uma grande maravilha que o Céu nos enviou, mas uma maravilha satânica, maravilhosamente abominável. Sabes que desde sua chegada ao Reino a colheita é menos abundante, que as vacas dão menos leite, que se viu perecer árvores e alguns não mais dão frutos nem maná?
— Sim, sei. — Disse tristemente a Donzela.
— É um mal presságio prà cidade. Sabes também que perdemos o fio do Céu e que o betilo sagrado já não deixa ouvir suas palavras? Équidnos conta tão excelentemente que não miramos as estrelas há mais de trinta luas e agora estamos perdidos em nosso estudo da configuração. Já nos é impossível nos orientar e nunca saberemos quando deverá morrer o Rei. Os maus sinais abundam e não podem ser conjurados, a menos que restabeleçamos a Lei e condenemos a morte ao Estrangeiro. Cometemos uma grave falta. E tu o mesmo que nós.

Os sacerdotes participaram ao Rei sua decisão. O Rei perguntou:
— Não sabeis, então, quando acabará meu reinado?
— Não! — Confessaram os sacerdotes, muito contritos. — Já não sabemos!

O Rei se regozijou muito ante essa resposta. Mas lhe agradou menos saber que Équidnos devia morrer, porque queria isso sinceramente e já não podia prescindir dele. Já não podia prescindir dele do mesmo modo como já não se pode prescindir do ópio ou do haxixe quando se ficou impregnado por seu eflúvio.

Como, tampouco, o cão pode prescindir do homem, o rio do vale, o homem se privar do prazer que dá a mulher, o fumante do tabaco, o coração do amor, a abelha da rosa e a rosa da abelha. Como, tampouco, o dormente pode prescindir do sonho, já que o sonho é inerente ao homem mais que sua própria sombra quando faz sol. No entanto era necessário obedecer à ordem dos sacerdotes que falavam em nome dos deuses. Então, com o coração dolorido, o Rei assentiu.

— Será feito segundo vosso desejo. Dentro de três dias, na mudança lunar, o Estrangeiro será conduzido à Grande Muralha Ocidental e precipitado ao mundo da morte.

Quando soube disso, Équidnos se limitou a responder:
— Te prometi longa vida, ó Rei, e eis cumprida minha palavra. Pra minha vida será o que está escrito nas estrelas.

Anunciou a notícia à Donzela quando ela acudiu ao betilo pro rito da noite.
— É cruel e injusto! — Exclamou ela com veemência.
— Não tanto. — Disse Équidnos — Acaso não urdimos uma conspiração pra salvar nosso amor e a vida do Rei? Se os sacerdotes faltaram a seu dever, se a Pedra Sagrada já não fala, não sou o primeiro culpado?

Houve entre ambos um grande silêncio que deixava adivinhar a confusão de seu pensamento, o que acontecia a Iona.
— Devo me submeter à decisão do destino. — Disse, finalmente, Équidnos — Mas é triste, quando se ama, morrer sem ter conhecido e visto a Donzela de seu pensamento e de seu coração. Amada minha, se logo devo partir ao reino subterrâneo, desejaria que fosse com tua imagem pra que ilumine minha noite eterna. Não me deixarás te ver inteira antes que eu morra?
— Nesta noite... — Respondeu ela.

Um pouco antes do aurora, enquanto os dormentes, salvo os dois enamorados, viviam seus sonhos, perdidos em oceanos de néctar, Iona fez uma sinal e ele a seguiu. Ela penetrou no Labirinto enrolando um largo fio de seda que marcava o caminho pro regresso de Équidnos.

O Unicórnio esperava num clareira, furioso e encantado ao mesmo tempo.
— Meu doce guardião. — Murmurou a Donzela — Sinto uma grande pena por te decepcionar, mas o amor é mais forte que a razão e te rogo me perdoes.

O amansou com ternas palavras, acariciou largamente o corno de cristal e, a força de mimo, o apaziguou tanto e tão bem que o formoso animal acabou adormecendo.
— Venhas! — Disse ela a Équidnos.

Se orientava ela entre as colunas como a abelha ao regresso à colméia e seus pés maravilhosos pareciam interpretar uma sinfonia dançada sobre os alouçados de mármore e ônix. E Équidnos penetrou no refúgio íntimo da Donzela como se poderia penetrar no interior duma jóia, duma pérola ou duma esmeralda. Talvez no interior duma estrela! Mas, quem penetrou no interior duma estrela?
Olhava em torno dele, deslumbrado.

Quando voltou a cabeça até Iona, ela deixara cair completamente seus véus. Somente seus pés maravilhosos estavam ocultos e ela parecia irreal, etérea, luminosa, fora do espaço-tempo e fora da beleza terrena e divina.

Ele gemeu com êxtase, com inefável felicidade. Então, lentamente, como jóias tiradas dum estojo, ela se libertou totalmente da prisão dos véus. Avançou um passo até ele, verdade sublime, luz material. E como seus pés a uniam à terra, como abandonava sua leveza, sua luz mudou e Équidnos compreendeu que ela saía de sua inacessível cidade de Luz, que rompia todas as muralhas, todos os tabus pra se converter, voluntariamente, em carnal criatura terrena apta pra amassar e interpenetrar carne humana. E ela estava ali, ante ele, menina-moça enamorada, arrebatada, aberta como uma romã muito madura ao sol.

Quem estivesse no Labirinto poderia ouvir os tristes gemidos, tristes até encolher a alma, do Unicórnio... Aquilo havia sucedido assim e a estrela havia depositado sua luz, radiação e imperecibilidade entre os braços do Encantador e do narrador de imaginação dourada. Aquele dia devia ser marcado com pedra negra.

Para começar: O Sol se levantou tarde sobre a montanha desde a qual se elevavam nuvens de vapor sulfuroso. Em primeira vez na história da cidade se escutou rugir o trovão e relâmpagos rasgaram as nuvens. Camponeses disseram que o rio crescia e ameaçava transbordar nos prados. Por último, se viu com terror como o betilo perdia, pouco a pouco, a cor albina e enegrecia como pão deixado muito tempo no forno.


Perplexos, os sacerdotes não abandonavam o Templo e se desmanchavam em oração. No meio-dia alguém anunciou que se ter presenciado um prodígio incrível. Bramando de dor ou de ira, não se sabia bem, o Unicórnio saíra do Palácio, dera três vezes a volta ao Grande Fogo Sagrado, e, com um salto prodigioso se elevou ao ar, acima das muralhas que franqueou.
E depois se perdeu no horizonte de montanha e céu. Isso era o que várias pessoas viram e do qual se declaravam convictas.

— É uma grande desgraça. — Gemeram os sacerdotes.
— Se o Unicórnio fugiu e o betilo ficou negro é porque a Donzela do Labirinto faltou a seus votos. Équidnos a desviou e ambos ameaçam a segurança de todos.
— Pecaram juntos. Devem perecer juntos.
— Nesta mesma noite. — Acordaram.

O Rei se viu obrigado a se render ante tão justas razões e comunicou ao narrador a funesta sentença. Équidnos não pareceu perturbado já que tinha seu plano. Apenas disse ao Rei:
— Não obstante. Rei, reclamo um favor e não me deves negar: Em minha última noite de vida quero falar na grande praça pública de Luz pra que todo mundo possa me ouvir. E depois me conduzirão à Grande Muralha Ocidental em companhia da Donzela.

O Rei, muito triste, assentiu e disse:
— Quero que tudo seja feito como desejas.

Por conseguinte, chegado a noite, o povo foi convocado e Équidnos chegou ao centro da praça sobre um estrado. O rei estava sob seu pálio, velado o rosto. Iona estava junto ao Rei, também velada mas deixando assomar, esplendidamente, seus pés maravilhosos pra que Équidnos ficasse por eles inspirado, penetrado, subjugado, mais fertilmente inspirado e imaginativo. E Équidnos, naquela noite, foi o Grande Mestre do Verbo. Disse coisas ainda mais enfeitiçantes que de costume, mais novas e mais desconcertantes. Era como uma braçada de margaridas primaveris acrescentada a um ramo veranil.

Suas palavras eram mais persuasivas que nunca, mais floridas, mais suntuosas e se transmutavam em ofitas, essas pedras verdes que são o cérebro, a orelha e a boca da terra. Sim, naquela noite Équidnos se superou e foi sublime. Disse os mistérios do mundo, do céu, de tudo o que os homens buscam saber e compreender, de tudo aquilo ao qual aspiram e que atrai sua curiosidade.
Os segredos se revelaram como clamados pelos anjos dum apocalipse. E era como se o Céu se entreabrisse pra desvelar as proibições e o rosto de Deus. E o povo ria dormindo, se estremecia dormindo, aplaudia dormindo, maravilhado, subjugado, extasiado e, ao mesmo tempo, confuso ante a imensa honra e confiança que o Céu lhe testemunhava.

E a estrela de ouro brilhava mais que nunca, palpitava como um coração diante de Équidnos.Dizia mil milagres e falava de sete sábios que, pelo privilégio de sua virtude, começavam a voar como pássaro no céu de Deus. E seu Verbo era tão terrivelmente mágico que se estivesse desperto, o povo de Luz poderia ver o Grande Sacerdote, depois outro, e logo um terceiro. E todos os sacerdotes começando a voar como o Unicórnio, num só impulso, franquear as altas muralhas e se perder entre as nuvens.
Équidnos continuava como se nada passasse e contava em imagem tudo o que no inconsciente coletivo, se tramava, se urdia, se concretizava havia dias e dias, noites e noites, anos e anos.

E, com sua revelação, com a partida dos sacerdotes, Luz se convertia numa cidade livre! Livres as estrelas em sua vagabundagem, livre o Rei, livre o povo pra fixar seu destino. Livre a Vaca Sagrada pra se reunir com a manada, livres os fogos pra arder ou apagar.

Quando os dormentes despertaram se ouviu um largo suspiro de alívio ascender da cidade como um grande vento e, como uma nuvem, esse alívio planou suspenso encima dos palácios e das casas. Por a magia do Verbo, o universo de Luz mudara e um novo dia despontava sobre uma civilização nova. Desse modo aquela coisa impossível se realizara: A vida se evadira de Luz e a morte pôde penetrar nela, soubera franquear as altas muralhas da cidade. No espaço dum sonho.

O que é certo é que o povo desperto, maravilhado, gritou subitamente:
— Abaixo os sacerdotes. Viva o rei!
E também o rei gritou:
— Abaixo os sacerdotes!

E era feliz, vencedor, porque sabia que agora ele nem Équidnos nem a Donzela morreriam pela vontade dos representantes de Deus.
E a partir daquele dia tudo mudou em Luz. Ninguém mais observou: As estrelas nem o betilo. Os camponeses semearam o trigo a sua conveniência e toda a Natureza se libertou das leis estritas impostas pelo céu.

Nunca mais os fogos dos lares foram apagados nem cerradas portas e janelas, nem cortada a barba dos homens nem, tampouco, a cabeleira das mulheres. Nada ficou oculto. E, posto que se havia chegado a todo ele, o Rei e seu povo decidiram abrir uma porta na muralha da cidade.

Os habitantes atacaram vigorosamente, com pás e piquetas, a Grande Muralha Ocidental pra perfurar o túnel que, atravessando a espessa base, desembocaria sobre o reino exterior, aonde nenhum vivo chegara. Depois de dias e dias, semanas e semanas, meses e meses de trabalho, a luz do Reino Exterior brotou por uma brecha: Luz já não estava só em seu universo!
O Rei ordenou que se alargasse a fenda mas que ninguém traspassasse aquele umbral. Tudo deveria ser feito em sua ocasião com grande cerimonial. Inclusive ficou estabelecida a ideia de consultar os deuses mas ninguém conhecia as fórmulas que os atraíam, a magia que os fazia aparecer e falar. Se decidiu prescindir do auxilio do Céu.


Na verdade o Rei estava inquieto. Já não tinha os sacerdotes pra consultar e, consciente de sua responsabilidade real, se perguntava se não dimanaria um perigo pela violação dos tabus.
— Franquear a muralha sempre foi perigoso!
— É preciso que uma relha proíba a fuga ao reino desconhecido!
— É um projeto razoável. E guardarei a chave da porta infranqueável!

E o que foi pensado foi dito e o que foi dito foi feito: Uma relha monumental, enorme, pesada, de barrotes de metal forjado foi cravada no meio do túnel e guardiões vigiaram a entrada. Assim tudo pareceu voltar à ordem. Exceto que a Vaca Sagrada frequentava as manadas de touro, que o Templo estava deserto, que as colheitas ficavam cada vez mais míseras, que o rio tão rápido crescia desmesuradamente ou que se diminuía até se converter num simples riacho e que o betilo estava mudo e negro como um asa de corvo.

Somente pôde explicar as coisas Équidnos, aquele ser milagroso que viera do Céu numa grande esfera voadora, que nascera dum ovo flutuante sobre a água do lago e que falava como um mestre escolar desde sua chegada ao mundo. Mas Équidnos, que compreendia esses sinais precursores de catástrofe se cuidava muito de desvelar seu pensamento, exceto a Iona, a quem disse um dia:
— Os presságios são cada vez mais sombrios e inquietantes. É preciso partir nessa noite e buscar refúgio no reino de fora.
— Quero o que queiras, coração aberto e olhos cerrados! — Respondeu ela, impetuosamente — Falas e creio em cada palavra tua.

Na noite, aproveitando o pesado sonho do Rei, Équidnos entrou na câmara e com maestria e discrição furtou a chave de ouro do portão, que o soberano conservava sempre pendurada no pescoço na ponta duma correntinha.
E depois, ambos, o Encantador e a Donzela empreenderam a fuga da cidade dormente com seu sonho de eternidade, porque todo mundo tinha, ainda, o privilégio da vida sem limite. À entrada do túnel os guardiões vigiavam mas, mediante sua magia, Équidnos os adormeceu num instante. Então, os fugitivos penetraram no imenso passadiço e chegaram ao portão, que não tiveram dificuldade em abrir com a chave de ouro.

No entanto a grade rangeu sobre suas dobradiças e creram perceber um murmúrio de alarma que era, ao mesmo tempo, lamento.
Em sua excitação não fizeram caso e correram à saída e à vida do Reino da terra prometida. Adeus Luz, adeus Rei!

De mãos dadas, coração palpitante, franquearam a saída e ficaram quase assombrados ao se ver vivos. O ar do outro reino lhes pareceu mais ligeiro, mais puro, mais revigorante que em Luz, mas, talvez, não era mais que uma impressão de liberdade. Treparam na montanha que fechava o horizonte e de cujo cume podiam contemplar a cidade de Luz.

Longínqua já, erguia suas altas muralhas e se divisava no vasto recinto o betilo alto e negro, as pontas das pirâmides, os pináculos dos monumentos, os telhados pontiagudos dos templos e as terraços das casas. E também a brecha que violava o cinturão de muralhas. E o rio que corria abaixo nas muralhas. Subitamente houve uma brusca convulsão do solo. A montanha se estremeceu e tremeu como uma besta ferida de morte. Esmagada pelas muralhas que eram agitadas por forças internas, a brecha do túnel voltou a se fechar, até o ponto em que a água do rio, que costumava surgir da terra depois de passar sob as muralhas, cessou de emanar como se um desprendimento bloqueasse o curso.

Équidnos e a Donzela olhavam aquele apocalipse. E não era mais que o princípio do drama. A água, detida em seu curso natural, começou a se concentrar na parte baixa da cidade e, pouco a pouco, irresistivelmente, ascendeu às ruas e às casas, submergiu as praças públicas, o templo, as pradarias. Ascendeu sem cessar e formou um imenso lago que era retido pelas muralhas da cidade como vinho na taça. Com espanto os fugitivos assistiam o terrorífico espetáculo.
— Estamos perdidos. — Murmurou Iona — Tudo aconteceu por nossa culpa e é o fim do mundo!
— Eu sabia. — Disse Équidnos — Mas o mundo que acaba em Luz começa onde estamos.

O caldeirão gigantesco da cidade de Luz se enchia de água e logo transbordaria. O Templo desapareceu e a água subiu até alcançar o Grande Fogo, até o submergir. Se pôs a ferver no gigantesco copo de pedra e brotou até o céu num penacho de vapor ardente que, mais alto que a mais alta nuvem, se abriu em imenso cogumelo. Um relâmpago de calor e de luz ziguezagueou nas nuvens e estremeceu os dois sobreviventes. Se fez um silêncio de morte. E uma espantosa crepitação retumbou, repercutindo mil vezes na montanha, e as altas muralhas arrebentadas caíram nas cataratas, no maelstrom dum oceano furioso.

Transcorreu um tempo, longo, que parecia infinitamente longo e infinitamente intenso. Depois, novamente, um silêncio impressionante. Lá, onde se elevava a maravilhosa cidade de Luz, havia um mar que buscava seu leito, calmosamente, nas aberturas e as anfractuosidades da montanha. Se diz, hoje, que Luz, convertida à cidade da Sombra, existe, ainda, na água profunda dum lago rodeado de altas montanhas tendo em seu centro geométrico um betilo enegrecido pela incredulidade e impiedade. Onde?, exatamente. Pouca é a possibilidade de um dia saber!

Também se diz que seus habitantes conservaram a imortalidade mas que são mortos-vivos. Vivem mortos como antanho se continuava outra existência no reino subterrâneo de Osíris. E tudo aconteceu por um ser vindo doutra Parte, pelo ar. Um ser que, nascido num ovo, havia, mediante a magia de seu verbo, aportado leis novas na organização magistral dum reino. Porque havia sacudido a ordem cósmica, separado o homem do divino e introduzido o câncer na grande organização celular tradicional.

Mas quem poderia dizer se tal não havia sido a vontade dos deuses que naquele tempo viviam sobre a Terra?

Équidnos e Iona baixaram ao vale do outro lado da montanha e nunca contaram a alguém sua fantástica aventura que se converteu numa lembrança oculta no mais profundo de seu coração. Viveram assim toda uma vida humana e nunca tiveram filho, já que não eram do mesmo sangue. Ao envelhecer a pele de Équidnos ficou reluzente e a estrela de sua frente se petrificava, se convertia em excrescência de pedra e, depois, em carbúnculo brilhante como brasa.

Outros disseram que parecia uma esmeralda de centelhas fulgurantes. Na hora da morte natural foi convertido em serpente e deslizou por uma fenda da montanha. Quando chegou a hora de Iona, se converteu numa flor de gerânio, essa planta odorífera que gosta da borda das janelas pra escutar o que se diz nas casas.

Alguns asseguram que se metamorfoseou em concha marítima, a concha que retém, difunde e diz as aventuras do mar e dos marítimos.
Gerânio ou concha? Ninguém saberá exatamente e essa história nunca seria conhecida se o Velho do deserto não se houvesse empenhado em recolher as pedras do País de Kuch: As ofitas verde escuro estriadas de veios amarelos que sabem as coisas ocultas e as murmuram àqueles que têm ouvidos pra ouvir.

Mas é uma história verdadeira, tão verdadeira como Deus é Deus e que antanho os deuses habitavam a pedra, a água e o grande betilo albino que ficou negro pelos pecados dos homens.

(Livro Arquivos de Outros Mundos, de Robert Charroux - CONTINUA)

Um comentário:

  1. É MUITO BOM, EU ADORO ESTA MATÉRIA ACHO UMA COISA IMPORTANTE ESTE ESTUDO REFERENTES AOS OUTROS MUNDOS É UMA MENTALIDADE MUITO LEGAL E COMPROVADA PELA BÍBLIA E CABALA.

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Obrigada por sua atenção!
Paz Profunda!